Manifestação ao STF

"Lava jato" do Rio é contra dividir dados com PGR e diz que não há hierarquia no MP

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25 de agosto de 2020, 9h06

A unidade institucional do Ministério Público se aplica apenas à sua estrutura administrativa. No que diz respeito à atuação funcional, não existe relação de hierarquia entre os cargos de carreira do MP.

Esse foi o principal argumento apresentado pela defesa dos procuradores da autoproclamada força-tarefa da "lava jato" no Rio de Janeiro para não compartilhar dados de investigações com a Procuradoria-Geral da República.

Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (24/8), a "lava jato" do Rio questionou o recurso apresentado pela PGR que pede amplo acesso a todos os elementos de prova colhidos pelas forças-tarefa do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Curitiba.

A PGR alega que o Ministério Público é uma instituição una e indivisível, e que, por isso, os elementos de prova colhidos pelas forças-tarefa pertencem ao Ministério Público como um todo, e não a quaisquer procuradorias ou procuradores em específico, podendo ser requisitados pela chefia da instituição.

Na defesa apresentada ao Supremo, os advogados dos procuradores argumentam que a unidade e a indivisibilidade do Ministério Público, como instituição, dizem respeito primordialmente à sua estrutura administrativa. No campo de sua atuação funcional (defesa da sociedade e do ordenamento jurídico), e não administrativa, os cargos da carreira do Ministério Público têm funções e atribuições diferentes e bem definidas, previstas na legislação aplicável — não havendo qualquer relação de hierarquia entre eles.

Ainda segundo a defesa, a Constituição Federal estabelece o princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público. Isso significa que, no contexto de sua atuação funcional, os procuradores da República e os promotores de Justiça são subordinados apenas e tão somente à Constituição, às leis e às suas consciências, inexistindo qualquer relação de subordinação hierárquica entre o Procurador-Geral da República e os demais membros da Instituição.

Essa interpretação sobre a autonomia dos órgãos do Ministério Público, no entanto, não é unânime. Conforme analisou o ex-presidente Michel Temer, em entrevista à ConJur, quando se fala, na Constituição, de "autonomia funcional", trata-se do Ministério Público enquanto instituição; ou seja, diz-se que o Ministério Público não atua sob ordens de outras instituições. Em nenhum momento fica garantida "autonomia individual" para que cada procurador possa fazer o que quiser sem jamais ter de prestar contas. O gabinete de Temer na Constituinte foi o centro de operações do órgão do Ministério Público para que ele tivesse o papel que tem hoje.

Já para a defesa da força-tarefa, as provas colhidas em determinada investigação não "pertencem" ao Ministério Público como um todo. Essas provas, afirma, não "pertencem" a ninguém, senão à investigação em cujo contexto o juiz as defere. E a investigação é empreendida não por qualquer promotor ou procurador, mas pelo promotor ou procurador natural, ao qual a Constituição assegura as garantias da independência funcional, da inamovibilidade e da ausência de subordinação hierárquica.

Da mesma forma, prossegue a defesa, a Constituição Federal também estabelece os princípios da inamovibilidade e do promotor natural. Com base nesses princípios, tem-se que todos os cidadãos têm o direito de ser acusados pelo procurador ou promotor previamente designados pela lei segundo critérios genéricos e abstratos, fixados anteriormente à ocorrência dos fatos investigados, sendo vedada a remoção do procurador ou promotor fora das hipóteses específicas e determinadas previstas na lei aplicável. Para os procuradores, esses princípios resguardam a atuação da força-tarefa de uma suposta obrigação de hierarquia, uma vez que o material só pertenceria à investigação.

O princípio do promotor natural, no entanto, foi desrespeitado durante a distribuição de processos no âmbito da "lava jato", como também mostrou a ConJur com exclusividade. Em São Paulo, os feitos desmembrados da operação eram remetidos diretamente à força-tarefa, sem passar pela imprescindível distribuição na unidade, conforme as regras de organização interna que regem o Ministério Público.

Sigilo judicial
A defesa da "lava jato" no Rio entende, ainda, que os dados em questão não poderiam ser requeridos pela PGR porque estão resguardados por sigilo judicial. "A pretensão da Procuradoria-Geral da República, na forma em que manifestada, é incompatível com o desenho constitucional do Ministério Público, com as garantias constitucionais dos investigados e com a própria jurisprudência do Supremo", explica Ricardo Zamariola, sócio do LUC Advogados, escritório que atende a Força Tarefa.

De acordo com a defesa, no ofício requisitando o compartilhamento de informações, a PGR não informou qual a justificativa e a finalidade da requisição. Essa informação, afirmam os procuradores, seria fundamental para que as forças-tarefa pudessem requerer aos juízos competentes as necessárias autorizações de compartilhamento da prova. 

No documento, a defesa argumenta ainda que as referidas forças-tarefa sujeitam-se rotineiramente aos procedimentos administrativos de fiscalização de sua atuação funcional, empreendidos pelos órgãos competentes do Ministério Público Federal, não havendo que se falar em "caixa de segredos". De acordo com a defesa, seria uma expressão "imprópria, infeliz e que não condiz com a dignidade do Ministério Público, em quaisquer de seus ramos".

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Rcl 42.050

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