Opinião

A escolha do presidente no STF

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25 de agosto de 2020, 18h29

Sempre que se aproxima o momento de uma nova vaga no Supremo, volta à baila a discussão sobre a forma de escolha dos ministros. Ocorre que a polêmica renasce sempre motivada pela preocupação de que possa ocorrer o alinhamento automático do ministro empossado com os interesses do presidente que o indicou. Necessário reconhecer que há, do outro lado, a expectativa positiva dos aliados do presidente em relação a esse alinhamento.

Spacca
A partir de novembro, com a aposentadoria compulsória do ministro decano, Celso de Mello, o STF perderá um grande magistrado, e o presidente Bolsonaro poderá indicar seu primeiro ministro. De novo caberá ao Senado sabatinar o indicado e aprovar seu nome. No atual quadro de grande polarização política, a preocupação e a expectativa em relação ao alinhamento mencionado tornam-se mais evidentes. O viés ideológico da escolha é provável, mas o alinhamento é mera expectativa.

A história revela que as previsões mais definitivas sobre o comportamento do escolhido após a sua posse não se confirmam. Na prática, aos olhos dos torcedores, é como se houvesse uma transformação após a posse, e o ministro não é a mesma pessoa que a indicada.

Spacca
Durante a tramitação do projeto de reforma constitucional do Judiciário que resultou na promulgação da Emenda 45, em 2004, muito se discutiu sobre a forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Optou-se pela manutenção da tradicional sistemática de escolha e a permanência do ministro até completar 70 anos. Em 2015, alterou-se a idade limite para 75 anos, o que impediu que a presidente Dilma Rousseff indicasse mais dois ministros. Embora deva se reconhecer que a alteração foi correta, a motivação foi casuística.

Parece ser uma mania brasileira pautar a discussão sobre questões importantes no calor dos acontecimentos. Não deveria ser assim, mesmo que pareça irresistível a tentação de, a partir de alterações legislativas, modificar as regras do jogo de modo a adequá-las a determinada conveniência política.

A gravidade da prerrogativa presidencial, a importância do cargo e as garantias constitucionais têm assegurado que os ministros exerçam com altivez suas atribuições e decidam de acordo com suas convicções. Historicamente, o Supremo tem exercido sua função de guardião da Constituição e preservado nossas instituições. Sem dúvida, a escolha dos ministros merece maior atenção da sociedade, já que se trata de função fundamental da República, mas a alteração de sua forma não nos parece uma urgência institucional.

Há outras questões mais relevantes. O estabelecimento de uma quarentena para que ocupantes de determinados cargos possam vir a ser indicados ministros e a previsão de mandato com tempo limitado para permanência no cargo são medidas que devem ser debatidas com seriedade.

A sociedade deve refletir sobre o papel do Judiciário e o poder dos juízes ao delegar ao presidente, pelo voto, a competência para escolher os ministros do Supremo. Espera-se também que o Senado exerça seu papel e avalie a opção presidencial não apenas pela verificação do cumprimento das formalidades legais — é necessário que o processo de escolha revele à sociedade quem será o novo ministro, o que pensa e como pretende exercer sua importante missão.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo

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  • é advogado e diretor presidente do Instituto Innovare. Foi o primeiro Secretário de Reforma do Judiciário (2003/05) e sub chefe para Assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005/06).

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