Opinião

O impacto da Covid-19 nas ações por ato de improbidade administrativa

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

24 de agosto de 2020, 6h35

A Lei nº 13.979/20, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, permitiu, entre outras coisas, a dispensa de licitação em casos específicos.

Tal medida ocorre em razão da necessidade de uma atuação rápida e eficiente em face de uma patologia desconhecida, situação na qual não há histórico quanto à sua possível duração e a possíveis sequelas.

Nessa direção, foram realizadas diversas aquisições e contratados serviços diretamente por meio de dispensa de licitação, ante a urgência que a situação requeria.

No entanto, mais de cinco meses após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, foram detectados diversos casos de suposto superfaturamento em contratações realizadas nos moldes acima mencionados.

Na mesma direção, já foram levadas ao Poder Judiciário diversas demandas em razão da ausência de informações de dados relacionados à pandemia da Covid-19 e ainda questões relacionadas à competência dos entes federativos e às medidas de isolamento social.

Dessa forma, é possível concluir que, em razão das situações acima mencionadas, ocorra um aumento do número de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa propostas após a pandemia, isso porque, além dos casos que se enquadram como ato de improbidade administrativa strito sensu, nos quais não há dano ao erário ou enriquecimento ilícito, configurando-se pela violação a princípios constitucionais administrativos aliado ao elemento volitivo da má-fé, como a ausência intencional de publicização de dados sobre a pandemia ou a execução de políticas de combate ineficientes, comprovadas por meio de dados empíricos dos órgãos de controle, também estão sendo apurados casos de improbidade administrativa em razão das condutas tipificadas nos artigos 9º e 10 da Lei nº 8.429/92.

Nesse sentido, as atuais investigações apontam para casos de superfaturamento nas aquisições de insumos utilizados no combate ao coronavírus, na construção e administração de hospitais de campanha, além de intermediações indevidas que, se comprovadas, além das respectivas ações criminais, também ensejarão a propositura de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa.

Dentro desse contexto, pode-se visualizar algumas das consequências decorrentes de tal cenário, quais sejam, a celebração de acordos de não persecução civil, atendidos os respectivos requisitos, o que propiciará a recuperação imediata dos valores subtraídos do erário público, no caso da prática das condutas tipificadas nos artigos 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, além de outras sanções que eventualmente o responsável pela celebração do referido acordo entenda pertinente, ou ainda o grande aumento do número de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa propostas em todo o país, tanto na Justiça Federal como na Justiça Estadual, já que algumas das investigações realizadas e das ações questionadas judicialmente já envolvem recursos e medidas tomadas pelo governo federal.

As ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, em razão de apresentarem um rito especial, possuem um tempo de tramitação maior em relação às demais ações ordinárias, já que exigem a notificação prévia e pessoal dos réus para apresentarem defesa prévia, o que, em alguns casos, faz os processos demorarem muito tempo em face da dificuldade da localização do réu, além da obrigatoriedade de intimação do ente público lesionado para se manifestar quanto ao interesse na intervenção na ação, além de outras além de outras questões, a exemplo da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e a usualidade do litisconsórcio passivo, o que alonga os prazos processuais.

Em razão de tais especificidades, aliadas ao possível aumento do número de ações de improbidade administrativa propostas, poderá ocorrer congestionamentos no Poder Judiciário, o que trará prejuízos não só ao jurisdicionado, mas também a toda a sociedade, tendo em vista que tal modalidade de ação civil se relaciona ao combate à corrupção e recuperação de recursos públicos desviados ou indevidamente utilizados.

Diante de tal situação, cabe ao Poder Judiciário antecipar-se aos fatos e desenvolver mecanismos destinados a evitar que o surgimento de congestionamentos em varas que possuam competência para o processamento e julgamento de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, especialmente nas localidades onde existam varas com competência geral, nas quais a tendência ao referido congestionamento é maior dada a complexidade e diversidade das matérias nelas discutidas.

De outro lado, cabe aos responsáveis pela celebração dos acordos de não persecução civil buscar implementar, desde que atendidos seus requisitos, a sua implementação, já que possibilitará a recuperação do patrimônio público desviado de forma mais rápida.

Assim, diante do quadro exposto, pode-se então concluir que cabe aos órgãos que fiscalizam a utilização do patrimônio público, entendido como o patrimônio material e o imaterial, bem como aos poderes responsáveis pela aplicação das leis prepararem-se para essa fase que seguirá em um período pós-pandemia, a fim de garantir a efetivação da boa e eficiente administração, além do combate à corrupção.

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    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal–ESMA, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL e mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília–UNICEUB.

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