Opinião

Efeitos colaterais da CBS e do IBS/IVA no emprego e na Previdência Social

Autor

  • Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

    é professor na pós-graduação de Direito Tributário da Uerj procurador do município do Rio de Janeiro e assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).

21 de agosto de 2020, 17h10

O estudo mais detalhado das propostas de reforma tributária vem revelando diversos efeitos colaterais decorrentes das proposições em discussão no Congresso Nacional, especialmente das PECs 45 e 110 (IBS/IVA) e do PL 3887 (CBS).

A par dos inúmeros problemas tributários e fiscais, salta aos olhos o desestímulo à contratação de empregados com carteira assinada e a redução, indireta, da "folha de salários".

De acordo com o regime não cumulativo previsto nas três propostas em foco, as despesas com salários não poderão ser abatidas do faturamento ou dos débitos mensais dos respectivos tributos. Somente os valores pagos a pessoas jurídicas na aquisição de bens/serviços e os respectivos créditos de CBS e IBS/IVA é que permitirão a redução do montante devido na incidência dos mesmos tributos sobre as atividades dos contratantes. Ou seja, somente pessoas jurídicas prestadoras de serviços irão gerar créditos em favor dos tomadores, no regime de crédito/débito previsto nas três propostas de reforma tributária referidas.

Essa nova regra de geração dos "créditos pela aquisição de serviços" se soma ao elevado aumento da carga tributária para o setor de serviços (CBS 12% e IBS/IVA mais de 30%), tornando decisiva a contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas para redução de custos tributários.

A "pejotização" já é uma realidade crítica no Brasil, pois a carga tributária média das relações com empregados é bem maior do que a incidente nas prestações com empresas prestadoras de serviços. Por isso, muitas relações de trabalho (em que há subordinação e habitualidade) vêm sendo travestidas de prestações de serviços (em que se exige autonomia laboral ou precariedade temporal) para fugir dos encargos previdenciários e de impostos sobre a renda da pessoa física.

Essa parece ser a realidade desejada por muitos empresários, que simplesmente querem se livrar dos atuais encargos sociais e da própria "folha de salários". Mas, em relação ao governo e ao Congresso Nacional, essa ideia ainda não consta das respectivas agendas oficiais.

Em relação à CBS, o Ministério da Economia afirma que "quem contratar PJ também terá o encargo da contribuição, tornando a carga tributária neutra". E acrescenta que: "Mesmo as empresas prestadoras de serviços inscritas no Simples Nacional também poderão gerar créditos de CBS e IBS/IVA", apesar do percentual menor.

Contudo, a matemática não mente: além de ser mais barato contratar uma pessoa jurídica do que um empregado, o amento das alíquotas da tributação sobre o consumo de serviços e a admissão de créditos tributários somente em razão da aquisição de serviços prestados por empresas, tornará absolutamente irresistível a contratação de "pejotas".

Por outro lado, nada indica que a geração de créditos por pessoas jurídicas prestadoras de serviços irá estimular a formalização desses trabalhadores, como defendem os autores das propostas. Com efeito, os microempreendedores individuais (MEI) não pagam PIS/Cofins (CBS) e contribuem com um valor fixo mensal (R$ 5) a título de ISSQN. E não há notícia de que as propostas serão alteradas para conceder "créditos presumidos" aos MEI, para que os contratantes possam usá-los para abater dos débitos da CBS ou do IBS/IVA.

Assim, se as propostas não reconhecerem créditos no pagamento de salários ou reduzirem a tributação da folha de salários na proporção inversa da contratação direta de mão-de-obra (como nos diversos países que reconhecem créditos de serviços de IVA), presenciaremos a definitiva transformação de empregados em MEIs ou em empresas do Simples Nacional.

Diante de todo esse cenário, já se nota o rebuliço das empresas agenciadoras de mão-de-obra, anunciando que irão proporcionar "créditos de IVA para o mercado".

Essa movimentação chama a atenção para um outro grave problema: as fraudes na geração de créditos oriundos da prestação de serviços. O IVA europeu tem sofrido com esse tipo de criminalidade fiscal, sem esperanças de solução. Diversas máfias se instalaram em países do leste da Comunidade apenas para gerar créditos de IVA pela "prestação" de serviços, desaparecendo antes que as fiscalizações as alcancem. Praticam um golpe conhecido como carousel fraud, que vem provocado rombos bilionários na arrecadação do IVA dos países do bloco.

Não fosse isso o bastante para refrear as propostas tributárias em análise no Congresso Nacional, vale lembrar que a deterioração dos empregos formais terá como consequência a redução das contribuições previdenciárias de empregadores/empregados, prejudicando o financiamento da Previdência Social e jogando por terra o esforço da Reforma de 2019. Neste cenário, o governo seria obrigado a fazer aportes orçamentários anuais crescentes para conseguir pagar aposentadorias, pensões e licenças securitárias.

Assim, no que tange a emprego e encargos, parece evidente que as propostas de reforma tributária apresentadas acabarão resolvendo "o problema da folha de salários" por meio da conhecida malpractice veterinária: eliminam-se os carrapatos matando a própria vaca.

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