Não se pode admitir como atingido em sua honra, para fins penais, alguém que não foi alvo da ofensa. Assim, uma queixa-crime não pode ser aforada pela pessoa física de um dos dirigentes da pessoa jurídica supostamente ofendida.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso para trancar ação ajuizada por um empresário cuja clínica foi citada em um relatório de inspeção de comunidades terapêuticas, publicado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
O órgão fiscalizador publicou relatório intitulado Dossiê — Relatório de inspeção de comunidades terapêuticas para usuárias (os) de drogas no estado de São Paulo — Mapeamento das violações de direitos humanos — Violência de Estado ontem e hoje — Da exclusão ao extermínio.
Em tese, ao citar o nome de uma clínica no dossiê em que consta também perfil das fiscalizações realizadas e as violações de direitos humanos em comunidades terapêuticas fiscalizadas pelo conselho, ofendeu a honra da empresa.
No entanto, o autor da ação ajuizou-a em nome próprio, pessoa física, contra todos os diretores e conselheiros do órgão, além dos organizadores e coordenadores do relatório. Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Sebastião Reis Júnior e declarada, em voto, pelo ministro Rogério Schietti.
A maioria entendeu não haver legitimidade para a ação penal. A ilegitimidade é primeiro passiva, na medida em que imputa a todos os integrantes do conselho uma responsabilidade penal que é sempre subjetiva.
Ou seja, para que o ato seja considerado típico, todos os conselheiros teriam de ter publicado o dossiê com o intuito de ofender a honra da empresa ou, no mínimo, obter esse resultado por uma inobservância do dever de cautela.
“Podemos até imaginar que a empresa fosse conduzida à época apenas por uma pessoa física, mas em nenhum momento é mencionado o nome do querelante no referido documento ou relatório e a queixa-crime foi ajuizada pelo querelante, como pessoa física que dirigiria a empresa citada. Aí reside, então, também a ilegitimidade ad causam ativa”, explicou o ministro Schietti.
O voto divergente ainda ressalta que não há nenhuma imputação de conduta difamatória ou criminosa específica contra o autor da ação. “Há patente ilegitimidade ativa ad causam, condição essencial para o exercício da ação penal, visto que não se pode admitir como atingido em sua honra, para fins penais, alguém que não foi alvo do referido relatório”, concluiu.
Ficou vencido o relator, ministro Nefi Cordeiro, que entendeu que o dossiê em questão divulga fatos pelos quais a empresa representada pelo autor da ação já foi absolvida perante o Conselho Federal de Psicologia. Com isso, configura justa causa para a persecução pelo crime contra a honra.
Entendeu também que a a imputação de ato do colegiado é suficiente para a justa causa quanto à autoria, buscando a responsabilização de todos que colaboraram para a divulgação tida como ofensiva. Na instrução, caberia a necessária prova de consciente colaboração para o ato ofensivo à honra atingida.
HC 547.564