Enfrentamento ao racismo

Especialistas defendem formação de operadores do direito em questões raciais

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20 de agosto de 2020, 7h26

O enfrentamento do racismo institucional nos órgãos da Justiça e a garantia de direitos para a população negra no Brasil passam por mudanças na formação dos operadores do direito e, entre eles, dos magistrados. O entendimento foi reforçado por reflexões e propostas apresentadas em reunião pública, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça, por especialistas e representantes de comunidades e ONGs que lidam com o combate ao racismo ou temáticas relacionadas à população negra.

Laurin Rinder
Laurin RinderEspecialistas defendem formação de operadores do direito em questões raciais

Entre os debatedores, o reitor e fundador da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, destacou que esse tipo de encontro, que promove a igualdade racial, poderia se constituir numa ação perene, funcionando como um mecanismo para aferir os avanços em termos de políticas de combate ao racismo no Poder Judiciário. "Nós temos uma necessidade de produzir essa sensibilização para dentro do ambiente da Justiça, para que sua estrutura esteja mais próxima. Poderíamos ter uma semana da consciência negra jurídica", indicou.

Ele também destacou o papel das escolas de formação para a construção de uma mentalidade de inclusão. "A escola de formação é um espaço privilegiado para essa mudança de mentalidade. E, se o concurso exigisse um referenciamento desse tema, ele [o concurso] teria capacidade de promover a replicação dessas referências para o ambiente de ensino", afirmou.

De acordo com a professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFBA, Alessandra Rapacci Mascarenhas Prado, a despeito das pesquisas, é cada vez mais explícito que o racismo orienta as decisões judiciais, em especial nos processos penais. "Eles dizem que os negros são mais propensos à violência e à criminalidade, por isso, são menos sujeitos a direitos", destacou.

Ela afirmou que as ações afirmativas precisam ser permanentes e sugeriu a criação de um plano de metas de políticas afirmativas a ser monitorado pelo CNJ. Além disso, sugeriu a criação de campanhas periódicas e permanentes para mudar "a mentalidade racista que ainda persiste dentro do Judiciário". "É preciso mudar a cultura dos magistrados e servidoras ainda no processo de formação", completou.

O professor e doutor em Direito pela Faculdade de Harvard Adilson Moreira também ressaltou a relevância da educação jurídica como forma de promover a inclusão racial e combater o racismo dentro do Poder Judiciário. "Um dos problemas diz respeito a ausência de reflexão sobre o que é a discriminação e igualdade dentro dos nossos currículos", relatou. Para Adilson Moreira, é necessário adotar conteúdo específico sobre o direito antidiscriminatório. "Os operadores do direito precisam saber o que é a discriminação direta, indireta, estrutural, interseccional, organizacional", disse.

Outro tópico apresentado na reunião pública foi a inclusão, nas escolas judiciais, de estudos críticos da branquitude. A juíza do Trabalho Gabriela Lenz de Lacerda ofereceu a experiência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região  na mobilização do quadro de pessoal dos tribunais para o debate sobre esse e outros temas críticos da discriminação racial. "É preciso entender como, no Judiciário branco, se constrói a branquitude e os pactos e estruturas de poder que não conseguimos romper, porque simplesmente nem sabemos que existe nem pensamos a respeito", disse a magistrada.

Já o professor da Universidade Federal da Bahia, Felipe Estrela, enfatizou ser necessário combinar uma agenda interna e externa pode ampliar a presença negra nos quadros do Sistema de Justiça, aliando mecanismos efetivos de participação popular e controle social para enfrentar o racismo no Poder Judiciário. "As escolas judiciais têm sido grandes aliadas no debate, construindo um entendimento junto aos operados do direito sobre a questão racial é um aspecto diferencial para a prescrição do aspecto jurisdicional", afirmou.

Coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Iêda Leal de Souza parabenizou a criação do Grupo de Trabalho do CNJ, destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário, e sugeriu que o CNJ encabece a formação continuada de magistrados, em especial aos magistrados recém empossados. "Precisamos oxigenar o Judiciário com aumento da participação dos negros nos quadros da Justiça, em especial nos postos de comando", disse.

Já a procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Dora Lúcia de Lima Bertulio destacou que foi a partir do ano 2000 que a questão do racismo ganhou força e debate na sociedade brasileira. "Foi quando houve uma nova possibilidade de falar sobre o movimento negro de forma mais ampla", avaliou. Para ela, é necessário que as escolas de Direito ensinem sobre as relações raciais. "Só assim teremos um Judiciário mais correto e justo nas suas relações sociais", disse.

Reunião pública
Ao todo, vinte e oito pessoas foram habilitadas para apresentar sugestões ao grupo de trabalho instituído pela Portaria no 108/2020. O colegiado do CNJ é destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções para a formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário.

Além das questões referentes a formação dos operadores do direito sobre a temática racial, a reunião também recebeu contribuições sobre o aperfeiçoamento do sistema de cotas na Justiça e sobre aspectos da garantia de diretos das pessoas negras, incluindo reflexões quanto ao alto grau de violência contra negros e de seu encarceramento e ao atendimento às demandas de mulheres negras, por exemplo. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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