Opinião

Retorno da tributação sobre livros trará efeitos negativos à nossa sociedade

Autor

  • Tobias Pereira Klen

    é advogado sócio da Paulo Bornhausen Advocacia mestrando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) bacharel em Direito pela UFSC membro-pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Empresarial da UFSC (Gepde/UFSC) e membro-pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Propriedade Intelectual da UFSC (Nuppi/UFSC).

19 de agosto de 2020, 9h15

A reforma tributária tem como objetivo simplificar e modernizar o ultrapassado, complexo e oneroso sistema tributário nacional, de modo a promover melhorias na produtividade e um maior crescimento na economia do país [1].

A primeira parte da reforma (Projeto de Lei nº 3.887/2020), apresentada pelo governo ao Congresso no último dia 22 de julho, tem gerado inúmeras discussões. A principal delas recai sobre o retorno da possibilidade da tributação sobre livros.

O PL propõe a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), em substituição à atual cobrança das alíquotas da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), do Programas de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) [2].

A CBS terá uma alíquota de 12% e será uma nova forma de tributar o consumo, acabando, assim, com a cumulatividade de incidência tributária. Contudo, a CBS parte do pressuposto de não conceder benefícios, de maneira que as isenções (alíquotas a 0%) válidas para as antigas contribuições serão extintas. A referente aos livros, inclusive.

O primeiro marco legal relativo à imunidade tributária sobre livros se deu com a Constituição Democrática de 1946, por meio de emenda constitucional apresentada pelo escritor, e então deputado constituinte, Jorge Amado. O texto consagrou no país o regime de isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas.

Anos mais tarde, a Constituição Federal Cidadã de 1988, na alínea "d" do inciso VI de seu artigo 150, determinou a vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios de instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Ocorre que posteriormente foram instituídas as contribuições sociais — tributos com destinação específica (como Cofins, PIS/Pasep) —, incidentes sobre o faturamento das empresas que acabaram por afetar diretamente a venda de livros. Devido a toda a sua importância para a sociedade, a Lei nº 10.865/2004 garantiu a isenção de Cofins e PIS/Pasep aos livros, fato que permitiu uma redução imediata dos preços nos anos seguintes.

Agora, com a possibilidade da entrada em vigor da CBS, o mercado editorial brasileiro teme por uma crise sem precedentes, que afetaria não apenas o consumo de livros, mas também o investimento em novos títulos, principalmente aqueles que não carregam consigo um forte apelo comercial. Tal circunstância acabaria acarretando uma diminuição expressiva da diversidade de produtos disponíveis para consumo.

Devido à repercussão do tema, no dia 5 de agosto oito entidades representativas do setor lançaram um manifesto intitulado "Em Defesa do Livro" [3], em que o retorno da tributação é duramente criticado. No dia 12, foi a vez de a União Brasileira de Escritores (UBE) publicar manifesto no mesmo sentido [4]. Por sua vez, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou sua indignação com a proposta por meio de nota de repúdio publicada no último dia 13 [5].

De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a isenção tributária sobre os livros beneficia apenas aqueles que poderiam pagar mais impostos. Para ele, como forma de compensação pela exclusão da isenção, o governo poderia instituir um programa de doação de livros ou reverter parte do valor arrecado a título de CBS às políticas assistencialistas — como o Bolsa Família.

É sabido que o ato de instituir tributos pode ser usado para desincentivar determinadas condutas que promovam externalidades negativas. A tributação gera um consequente aumento sobre o preço dos produtos, o que desencoraja que a população os adquira. Contudo, o desestímulo à aquisição de livros e ao acesso à leitura não é interessante para o Estado, muito pelo contrário.

Portanto, o Congresso Nacional deverá se atentar não apenas aos impactos econômicos gerados pelo retorno da tributação sobre os livros, mas também às consequências que tal decisão trará para a cultura nacional. Infelizmente, o Brasil possui uma baixíssima taxa de leitura e o aumento no preço dos livros poderia piorar ainda mais nossos índices.

Em que pese a importância e a necessidade de uma reforma em nosso sistema tributário, caso o PL nº 3.887/2020 venha a ser aprovado na forma em que foi apresentado trará efeitos extremamente negativos à nossa sociedade. A democratização do acesso aos livros resulta na pulverização do conhecimento e impede estagnação da estrutura social brasileira, razões pelas quais merece e precisa ser sempre defendida.

Autores

  • é advogado no escritório Paulo Bornhausen Advocacia, pesquisador na área de Direito Empresarial da UFSC/CNPq, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Empresarial da UFSC (GEPDE/UFSC) e membro do Núcleo de Pesquisa em Propriedade Intelectual da UFSC (NUPPI/UFSC).

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