Prazos processuais

Norma mal escrita mantém denúncia de improbidade contra ex-governador do DF

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19 de agosto de 2020, 21h57

Uma norma mal escrita pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal em relação ao recesso judicial de janeiro de 2016 levou a uma dúvida quanto ao andamento dos prazos processuais. Graças a ela, o recurso do Ministério Público que motivou o recebimento da denúncia por improbidade administrativa contra o empresário e ex-governador do DF, Paulo Octávio, teve a tempestividade confirmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, e ação seguirá em tramitação.

Divulgação/CNJ
Resolução do TJ-DF misturou suspensão com prorrogação de prazos durante o recesso judicial de janeiro de 2016
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Segundo a denúncia. Paulo Octávio e o ex-administrador de Taguatinga teriam se associado para aprovar dois projetos arquitetônicos no DF sem atender a recomendações legais e com expedição ilegal de licenças de construção. O recebimento foi negado em primeira instância.

O prazo para recorrer foi aberto em 4 de dezembro de 2015, com duração de 20 dias — prazo dobrado, por se tratar de recurso do Ministério Público, conforme lei. Dentro desse período, entrou o recesso judicial determinado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 20 de dezembro a 6 de janeiro de 2016, com suspensão dos prazos processuais.

Com autorização do CNJ, o TJ-DF editou a Resolução 9/2015, que ampliou o recesso de 7 a 19 de janeiro. O artigo 1º do texto informa que "ficam suspensos os prazos processuais". Já o parágrafo único diz que "os prazos que porventura iniciarem ou expirarem no período ficam prorrogados para o primeiro dia útil seguinte".

No STJ, a defesa do ex-governador apontou que, como o prazo para recorrer se encerraria durante o recesso prolongado pela norma do TJ-DF, o MP só poderia fazê-lo até o dia 20 de janeiro. O ministério Público, por sua vez, só foi recorrer em 25 de janeiro, pois considerou que os prazos ficaram suspensos durante todo o período, voltando a correr em 20 de janeiro.

Gustavo Lima/STJ
Partes não podem ser prejudicadas por dúvidas causadas pelo próprio Judiciário, afirmou ministro Raul Araújo 
Gustavo Lima/STJ

Regra confusa
"A resolução não é dotada de boa técnica e de suficiente clareza, dificultando a compreensão para seus destinatários", apontou o ministro Raul Araújo, relator do processo na Corte Especial. Enquanto o caput determina a 'suspensão' dos prazos processuais, o parágrafo único estabelece a 'prorrogação', misturando institutos diversos.

Toda a discussão só pode existir sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, já que o atual código, de 2015, conta todos os prazos em dias úteis, o que acaba com esse tipo de dúvida.

Se os prazos são suspensos, incide o artigo 179 do CPC/73. Os prazos param e só voltam a correr, de onde pararam, ao final do recesso judicial. Se os prazos são prorrogados, eles não param de correr. Incide o parágrafo 1º do artigo 184. O término do prazo passa a ser o primeiro dia útil após a data de prorrogação.

Para o ministro Raul Araújo, a redação falha dada à resolução é predominante. "As partes não podem ser prejudicadas por dúvida e falha ocasionadas por parte do próprio Poder Judiciário. Diante da atecnia das normas, as partes não compreenderam bem como agir. A boa-fé da parte recorrente, induzida pela dubiedade da resolução, leva a compreender que a suspensão dos prazos deve ser presumida", concluiu.

Sergio Amaral/STJ
Em matéria sancionatória, dúvida não pode agir contra o imputado, na visão do ministro Napoleão Nunes Maia 
Sergio Amaral/STJ

In dubio pro reu
A questão foi levada à Corte Especial em embargos de divergência após ser julgada pela 1ª Turma do STJ com o mesmo desfecho. Tanto na ocasião quanto nesta quarta, ficou vencido o ministro Napoleão Nunes Maia.

Defendeu que no caso de dúvida e se tratando de matéria sancionadora, a solução mais justa é aquela que favorece o imputado — no caso, o governador alvo da ação de improbidade.

O relator rebateu: "Não estamos aplicando regra de Direito material, mas de Direito Processual. Por isso, estou preocupado em prejudicar as partes. E o Ministério Público é parte no processo".

"Dúvidas em questões sancionadoras favorecem o imputado, não o autor da ação. Se o Ministério Público ficou em dúvida, deveria ter recorrido no prazo mais curto. Essa dúvida só pode favorecer o réu. Não entendo possível a cisão para aplicação do in dubio pro reu a depender se a matéria é processual ou substantiva", disse o ministro Napoleão.

Ele foi o único a divergir. Assim, a ação contra Paulo Octávio, que renunciou ao governo do DF ainda em 2010, na esteira do chamado "mensalão do DEM", seguirá tramitando em primeiro grau.

EAREsp 1.079.064

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