Opinião

Direito de reembolso de passagens aéreas durante a crise da Covid-19

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19 de agosto de 2020, 19h11

O presente artigo busca responder a uma questão atual e de grande repercussão, dados os efeitos da Covid-19: diante da atual pandemia, as pessoas jurídicas prestadoras de atividade de turismo podem imputar a seus clientes o prazo previsto no artigo 3º da Lei nº 14.034/2020?

Dito de outra forma: nos casos de reembolso de passagem aérea, por cancelamento de voo, no período compreendido entre 19 de março e 31 de dezembro de 2020, quando o consumidor tiver adquirido o bilhete por intermédio de serviço prestado por agência de turismo, deverá ele ser ressarcido na forma do que foi contratado ou poderá a agência impor que se aguarde o prazo de 12 meses, previsto na nova lei?

Levantam-se a questão e o debate, pois podem existir casos em que agências de turismo alegarão que possuem o direito de ressarcir os consumidores, não no prazo contratado, mas, sim, no prazo de 12 meses, previsto no artigo 3º da nova lei. Será mesmo isso juridicamente possível?

Assim dispõe a Lei nº 14.034, de 5 de agosto de 2020 [1], vigente desde o último dia 6, no caput do seu artigo 3º:

"Artigo 3º  — O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente".

Como se percebe, de uma leitura atenta do texto legal, o dispositivo alude ao reembolso do valor da passagem quando esse é devido pelo transportador, não havendo qualquer menção à agência de turismo. Ou seja, o direito objetivo ali posto, quanto a quem cabe, se for o caso, exercê-lo, usufruindo do prazo de 12 meses, é do transportador, não da pessoa jurídica prestadora do serviço de agenciamento.

Ao estabelecer contrato com agência de turismo, cujo elemento de empresa, para prestar os serviços delineados na Lei nº 12.974/2014 [2], é justamente a organização profissional visando à obtenção de lucro, com todos os ônus e bônus dessa atividade, busca o consumidor justamente, e paga por isso, mitigar certos riscos do negócio.

Dito isso, entende-se que o direito previsto no indigitado artigo 3º, prazo de 12 meses para reembolso, cabe, se for o caso, ser usufruído pelo transportador, jamais pelas agências de turismo.

Faz parte da álea dessas agências, como risco do seu negócio, absorver os efeitos da Lei nº 14.034/2020, não havendo permissivo legal para que, nesse particular, busquem qualquer tipo de transferência de responsabilidade junto ao consumidor.

Em relação ao consumidor, portanto, deverá ser cumprido o que estiver previsto no contrato entabulado com a agência, situação essa prevista inclusive no inciso I do artigo 9º da Lei nº 12.974/2014 [3].

Finalmente, respondendo-se a indagação inicialmente formulada: nos casos de reembolso de passagem aérea, por cancelamento de voo, no período compreendido entre 19 de março e 31 de dezembro de 2020, quando o consumidor tiver adquirido o bilhete por intermédio de serviço prestado por agência de turismo, deverá ele ser ressarcido na forma do que foi contratado, não se podendo lhe impor que aguarde o prazo previsto no artigo 3º da Lei nº 14.034/2020, sendo integralmente da álea dessas agências suportar os riscos do negócio, especificamente, nesta situação, como custo indireto, mediante a absorção dos efeitos de aguardar o prazo de 12 meses para reembolso.

 


[1] Dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19; e altera as Leis nºs 7.565, de 19 de dezembro de 1986, 6.009, de 26 de dezembro de 1973, 12.462, de 4 de agosto de 2011, 13.319, de 25 de julho de 2016, 13.499, de 26 de outubro de 2017, e 9.825, de 23 de agosto de 1999

[2] Dispõe sobre as atividades das agências de turismo.

[3] "Artigo 9º – São obrigações das Agências de Turismo, passíveis de fiscalização, em conformidade com os procedimentos previstos nesta Lei e nos atos dela decorrentes:

I – cumprir rigorosamente os contratos e acordos de prestação de serviços turísticos firmados com os usuários ou outras entidades turísticas".

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