Opinião

'Liberdade Igual', uma resenha

Autor

  • Demian Guedes

    é advogado doutor em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) visiting scholar no Max Planck Institute for Public Law e autor dos livros Autoritarismo e Estado no Brasil (2016) e Processo Administrativo e Democracia (2007).

19 de agosto de 2020, 16h12

Finalmente, as livrarias entregaram o novo livro do professor Gustavo Binenbojm, "Liberdade Igual o que é e por que importa". A obra não poderia chegar em melhor momento. É um alívio refletir sobre liberdade em tempos de distanciamento social e autoritarismo político. O enredo da obra acompanha a trajetória recente das liberdades públicas e privadas no Brasil, passando por temas como liberdade de expressão, religiosa, política e de iniciativa; além da autonomia privada sobre o próprio corpo e identidade. No final da obra são tratados assuntos ainda mais abrangentes, que alcançam o papel das instituições e o valor da igualdade.

A obra conquista o leitor desde a largada, pela escrita ágil e rara concisão. Temas difíceis são enfrentados com profundidade, em capítulos que não passam de um punhado de páginas. São lembrados casos de relevo nos quais Gustavo advogou pelas liberdades públicas ou as acompanhou de perto, fazendo justiça à tímida cobertura midiática de alguns deles.

Chamam a atenção processos relacionados com a liberdade de expressão e opinião, nos quais, quase sempre no Supremo Tribunal Federal, foram superadas proibições obscurantistas como a vedação a biografias não autorizadas; à realização de manifestações públicas por reforma legislativa — como a "marcha da maconha" —; e à crítica humorística a figuras políticas durante períodos eleitorais. Além de tratar dessas liberdades, o autor alerta quanto aos perigos de se instituir controles externos sobre a mídia, redes digitais e seus conteúdos. Nessa abordagem, porém, não deu tempo para uma questão que parece essencial, por ser o anverso de toda a liberdade: a responsabilidade das plataformas, sua configuração e limites.

Ao tratar da liberdade de religião, o livro impõe reflexões ainda mais espinhosas. No plano comunitário, a viabilização da educação religiosa, sem pôr em risco a laicidade do Estado. E no individual, a conciliação do respeito a convicções íntimas com o dever de cuidado imposto aos profissionais de saúde e ao Estado, especialmente diante de menores de idade? A questão é complexa e atual. Gustavo atravessa esse labirinto com referências a casos difíceis, apresentados de forma acessível.

No enfrentamento de temas econômicos, o texto segue o caminho dos obstáculos impostos pelo Estado ao empreendedor e ao profissional liberal, com a lembrança oportuna da decisão do Supremo quanto à desnecessidade de diploma para o exercício do jornalismo. No capítulo da livre iniciativa, defende-se uma proteção jurídica da inovação. Com argumentos concorrenciais, de abertura de mercados e promoção dos interesses dos consumidores, propõe que reguladores deveriam editar normas a favor de empreendimentos inovadores e que, mesmo na ausência de regras, seria recomendável a deferência dos juízes, no que denomina "controle judicial a favor da inovação". A proposta, que mereceria um livro inteiro, levanta questões importantes. A primeira é saber em qual inovação seria digna de proteção. De outro lado, empresas de tecnologia, "disruptivas" ou não, buscam legitimamente o lucro. Muitas vezes, são estabelecidas internacionalmente, em condições de orquestrar lobbies persuasivos. Então, vale refletir: não raro, os competidores e colaboradores locais das empresas de tecnologia estão do lado hipossuficiente da equação, a merecer não favores, mas, sim, tratamento equitativo, à luz do caso concreto.

O Supremo Tribunal Federal é o personagem principal do livro. Após a Constituição de 1988, foi o cenário onde o drama das liberdades se encenou mais vivamente no Brasil. É um privilégio conhecer as impressões do autor sobre casos importantes, narrados em primeira mão. E sobre o papel do Supremo, é precisa a denúncia dos riscos de se lhe atribuir um papel representativo e de vanguardismo iluminista, no qual, nas palavras do Ministro Barroso, a Corte deveria "empurrar a história". Gustavo alerta que tamanha concentração de expectativas no tribunal conduziria a uma instância de poder aristocrática e elitista, com prejuízos aos canais e instituições da democracia. Complementamos: interpretações elásticas da Constituição que levem à concentração de poderes ativos em entidades não legitimadas pelo voto, na verdade, subvertem valores do iluminismo e, certamente, não teriam lugar na vanguarda do processo civilizatório ocidental. A história empurra a todos nós.

Ao tratar do nosso autoritarismo, afirmamos certa vez que "nem o Brasil, nem o seu Direito, foram criados para a democracia". O livro a um só tempo nega e confirma essa constatação. Apesar das elogiáveis decisões e de alguns avanços narrados, a necessidade de, no século XXI, recorrer-se ao Supremo para garantir liberdades como o direito à crítica é sintoma de um arcaísmo difícil de disfarçar. Com pena leve e erudição acessível, Gustavo nos brinda com esse presente ambivalente: um esperançoso catálogo do nosso atraso e do quanto tem sido feito — e ainda resta fazer — em defesa de nossa liberdade, individual e coletiva.

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