Opinião

Tema 975/STJ: revisão de benefícios e questões não apreciadas pelo INSS

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18 de agosto de 2020, 16h09

Foram publicados no último dia 4 os acórdãos proferidos pelo STJ no julgamento dos Recursos Especiais 1.648.336/RS e 1.644.191/RS, afetados ao regime dos recursos repetitivos (Tema 975) e que resultaram na seguinte tese:

"Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no artigo 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário".

A discussão era antiga e sempre foi objeto de controvérsia na jurisprudência.

Diferente da tese ora fixada pelo STJ, a Súmula nº 81 da TNU dispunha que "não incide o prazo decadencial previsto no artigo 103, caput, da Lei nº 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão". O próprio Superior Tribunal de Justiça chegou a adotar este mesmo entendimento anteriormente. O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, vem sistematicamente decidindo que o prazo revisional contido no caput do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 incide independentemente da causa da pretendida revisão, abrangendo inclusive questões não apreciadas pelo INSS por ocasião da concessão do benefício (AgRg no RE com Agravo nº 845.209; RE 1.142.671; e RE 1.072.590, entre outros).

Em termos de segurança jurídica, portanto, o alinhamento do entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao do Supremo Tribunal Federal veio em boa hora, ainda que haja importantes considerações doutrinárias que levantam dúvidas sobre o pleno acerto da tese firmada pelo STJ no Tema 975, conforme tive a oportunidade de detalhar em estudo específico sobre a prescrição e a decadência no Direito Previdenciário [1].

Existem, de todo modo, alguns pontos relevantes do julgamento que merecem especial atenção.

Em primeiro lugar, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou de forma assertiva o entendimento já firmado no REsp 1631021/PR [2] de que o prazo de dez anos contido no caput do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 possui natureza decadencial, conforme se depreende da leitura do voto do ministro Herman Benjamin, condutor do julgado. Não obstante a literalidade da redação do dispositivo legal, respeitada parcela da doutrina considera o prazo como sendo de prescrição. A definição de sua natureza jurídica impacta significativamente no regime jurídico a ele aplicável, sobretudo em relação às causas de impedimento, suspensão e interrupção, que normalmente não se aplicam aos prazos decadenciais (artigo 207 do Código Civil). Sendo considerado decadencial, o prazo em questão não pode ser suspenso, por exemplo, durante a análise administrativa de requerimentos dos segurados, como prevê o artigo 4º do Decreto nº 20.910/32 [3]. Da mesma maneira, não pode ser interrompido pelo reconhecimento do direito pelo INSS (artigo 202, VI do Código Civil) nem renunciado pela autarquia após a sua consumação (artigo 209 do Código Civil). Essa foi, enfim, a linha de entendimento sedimentada pela jurisprudência, a qual, caso mantida a coerência com o ordenamento jurídico como um todo, deverá chegar às referidas conclusões.

Foi justamente partindo da premissa de que o prazo decenal é de decadência que o STJ concluiu que não importa se a causa da pretendida revisão do benefício previdenciário foi ou não apreciada pelo INSS. Segundo o tribunal, o princípio da actio nata, pelo qual somente a partir da violação de um direito é que o prazo para a insurgência do titular tem início, apenas se aplica à prescrição, conforme disposição expressa do artigo 189 do Código Civil ("Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição").

No caso dos benefícios previdenciários concedidos e a serem revisados, a violação do direito dos segurados consiste, via de regra, no não reconhecimento de parte do tempo de contribuição ou de sua qualificação como tempo especial. Quando essas questões sequer foram apreciadas administrativamente, entende-se que não houve violação do direito do segurado e, consequentemente, nascimento de uma pretensão a ser fulminada pela prescrição.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, entretanto, como o prazo do caput do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 é decadencial, nada disso importa, porque se trata de prazo para o exercício de um direito potestativo do segurado (o direito de revisão). Uma vez concedido o benefício, o prazo tem início automaticamente, seja qual for a razão para a revisão do ato concessório. Nesse sentido, a ementa do REsp 1.644.191/RS (afetado para o julgamento do Tema 975) consigna o seguinte:

"(…) A decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito, os quais são conhecidos na doutrina como potestativos.

Dessarte, para o exercício do direito potestativo e a consequente incidência da decadência, desnecessário haver afronta a esse direito ou expressa manifestação do sujeito passivo para configurar resistência, pois o titular pode exercer o direito independentemente da manifestação de vontade de terceiros.

8. Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (artigo 207 do CC).

9. Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as bases jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é necessário que tenha ocorrido afronta ao direito (explícita negativa da autarquia previdenciária) para ter início o prazo decadencial.

10. Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de benefício previdenciário prescinde de violação específica do fundo de direito (manifestação ostensiva da autarquia sobre determinado ponto) (…)".

É muito difícil assimilar, doutrinariamente, que um ato administrativo que concede um benefício previdenciário em desacordo com a pretensão do segurado e com o suposto direito que ele possui não constitui uma violação ao direito em si, a qual, portanto, faria emergir um prazo prescricional para a insurgência do cidadão lesado. A despeito disso, há que se conformar, ao menos na prática jurídico-processual, que a questão está resolvida jurisprudencialmente.

Um outro ponto digno de nota no julgamento de que se trata é a referência feita à possibilidade de questionamento judicial direto das matérias não apreciadas administrativamente pelo INSS, justamente pelo fato de o prazo revisional também abrangê-las. A já referida ementa do REsp 1.644.191/RS dispõe que "a revisão ampla do ato de concessão pode ser realizada haja ou não expressa análise do INSS. Caso contrário, dever-se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado pelo INSS". O voto condutor do acórdão é ainda mais assertivo:

"Sob a perspectiva aqui proposta, o regime decadencial impingido ao direito de revisão é muito mais benéfico ao segurado do que é o regime prescricional, pois, além de ter prazo de 10 anos — elástico se comparado aos demais prazos do ordenamento jurídico —, pode ser exercido independentemente de a autarquia ter-se oposto expressamente ao ponto objeto de inconformidade.

(…)

(…) a aplicação do prazo decadencial independe de expressa resistência da autarquia e representa o livre exercício do direito de revisão do benefício pelo segurado, já que ele prescinde da manifestação de vontade do INSS".

Resta definir como conciliar a conclusão do acórdão com o interesse processual, sob o enfoque da necessidade, em se obter um provimento jurisdicional sobre questão que não foi negada administrativamente e sobre a qual, portanto, não haveria lide a ser solucionada pelo Judiciário. Admitindo-se o entendimento sufragado pelo STJ, o Poder Judiciário passará a apreciar originariamente matéria cuja competência primeira é da Administração. Além do mais, referido entendimento está em franca contradição com aquele adotado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 631.240, julgado no regime da repercussão geral, que ressalvou expressamente das hipóteses de dispensa de requerimento administrativo os casos em que se trata de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. Vejamos:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o artigo 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. (…)." (RE 631240, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014 RTJ VOL-00234-01 PP-00220).

Nesse cenário, ainda que tenha havido um alinhamento de entendimentos do STF e do STJ em relação à incidência do prazo revisional contido no caput do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 inclusive para revisões que tenham como causa questões não apreciadas expressamente pelo INSS, resta saber como conciliar tal conclusão com aquela firmada pelo próprio STF segundo a qual não cabe ao Poder Judiciário apreciar originariamente questões de fato não submetidas à análise administrativa. Eis a tarefa agora imposta aos juízes e tribunais.

Proponho a seguinte solução: aplica-se o prazo decenal a revisões que tenham como causa matérias não apreciadas pelo INSS, mas desde que levadas ao seu conhecimento pelo segurado. O prazo não se aplica, entretanto, quando a matéria sequer foi invocada pelo segurado no requerimento administrativo, valendo aqui a ressalva feita pelo STF no RE 631.240. Nesse segundo caso, os efeitos financeiros da revisão somente serão produzidos a partir do momento em que os fatos a serem apreciados forem efetivamente levados ao INSS.

 


[1] Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário – 2ªed. Curitiba: Alteridade, 2019

[2] REsp 1631021/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 13/03/2019

[3] "Artigo 4º — Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la".

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