Opinião

Os excessos na busca e apreensão em alienação fiduciária

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18 de agosto de 2020, 15h27

O fenômeno da pandemia respingou suas consequências sobre todas as esferas da sociedade. Nesse período crítico, um fato que tem se tornado recorrente implica em uma análise aprofundada sobre a teoria do adimplemento substancial do contrato no que se refere à execução nas ações de busca e apreensão em alienação fiduciária.

Antes de prosseguir rumo ao cerne desse debate, é importante fazer um breve parêntese acerca do assunto. A teoria em questão trata dos casos impeditivos de resolução unilateral do contrato, quando não houver possibilidade de extinção da relação contratual por mais que tenha havido inexecução parcial do contrato por uma das partes.

Esse fator tem por finalidade assegurar segurança jurídica mais ampla às relações diante de fatos em que o contrato já tenha se cumprido quase que em sua totalidade. Isso não significa que o devedor dessa relação contratual sairá em vantagem, pelo contrário. O que se objetiva é solucionar o problema por meios menos danosas

Por esse motivo, em contrato de alienação fiduciária em que o devedor da obrigação de pagar as parcelas ajustadas está inadimplente junto ao banco, o credor tem a possibilidade de se valer de outros meios jurídicos, tais como a ação de cobrança ou de execução, ao invés de se utilizar da busca e apreensão do veículo, uma vez que essa medida é de extrema gravosa e acarreta na resolução do contrato pactuado.

Nesse contexto, cumpre mencionar que o adimplemento substancial transcorra dos princípios gerais contratuais, de maneira que colabore para a preponderação da função social do contrato e para o princípio da boa-fé objetiva, fundamentado na aplicação do artigo 475 do Código Civil brasileiro.

Tramita na Câmara um projeto de lei que protesta pelo impedimento da busca e apreensão de carro financiado durante a pandemia, medida muito válida ao que parece. Ora, o país enfrenta grave crise econômica e, diante desse agravamento da crise econômica, é óbvio que acarretará crescimento da inadimplência. Tem-se atualmente cerca de 450 mil pessoas diretamente afetadas por ações de busca e apreensão em todo o país.

Com base em dados extraídos da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), há mais de 642 mil veículos financiados no Brasil, entre estes 40% foram adquiridos por pessoas com renda de até três salários mínimos. Assim, ocorrem inúmeras decisões judiciais proferidas impedindo que os referidos veículos sejam apreendidos por meio de liminares. E o fazem acertadamente.

Nesse sentido cabe destaque a decisão proferida pelo juiz da 4ª Vara Cível de Jundiaí revogando uma liminar anteriormente concedida. O juiz proibiu a busca e apreensão de veículos de um devedor inadimplente. De acordo com o magistrado, o réu está impedido de "lançar mão da faculdade de pagar a integralidade da dívida pendente, entendendo-se esta como sendo as parcelas vencidas e vincendas — estas últimas sem a incidência de encargos moratórios —, sob pena de consolidação da propriedade do bem em mãos do autor (Decreto-Lei 911/69, artigo 3º, §§1º e 2º)".

O referido juiz ainda ponderou que até mesmo o governo federal autoriza o uso de CNH vencida com objetivo de viabilizar a locomoção de brasileiros durante o período crítico da pandemia em situações de urgência. Defendendo: "Posto isso, revogo a liminar de busca e apreensão, cujo pleito poderá vir a ser objeto de renovação assim que expirada a suspensão a que se refere o Provimento CSM 2.545/2020 do TJ-SP", concluiu.

Portanto, percebe-se a necessidade de se olhar para a situação atual adequando a legislação à realidade dos fatos. É preciso ponderar e evitar o legalismo. Nesse contexto, a decisão do referido juiz de Jundiaí se mostra correta, visto que o país enfrenta situação gravíssima na qual milhões de pessoas estão sem condições de trabalho e sofrendo os impactos diretos provocados pela pandemia.

É tempo de readequar o Direito à realidade atual, de revisar conceitos e de caminhar em direção à adaptação ao novo normal. Chega a ser redundante afirmar que o Direito acompanha fatos sociais, uma vez que parece que o legislador se mostra cego para a nova realidade do mundo.

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