Consultor Jurídico

Reforma tributária: política se faz com gastos, estúpido!

18 de agosto de 2020, 8h00

Por Fernando Facury Scaff

imprimir

Spacca
Consta do folclore político que James Carville, marketeiro de Bill Clinton, justificou suas chances de vitória eleitoral dizendo: É a economia, estúpido! O outro candidato era George Bush (pai), então Presidente e candidato à reeleição, que havia resgatado a autoestima bélica norte-americana com a vitória na Guerra do Golfo, mas que tinha deixado a economia em frangalhos. Clinton, então, era um desconhecido governador do remoto Estado de Arkansas, e venceu as eleições.

O que justifica a fúria transformista de reforma tributária tem o mesmo perfil. Política se faz com gasto público, e o espaço orçamentário brasileiro atual é ínfimo para que o governo aumente os gastos.

Nenhum Presidente brasileiro teve tanta liberdade para gastar sem amarras quanto o atual. O Congresso liberou o governo do teto de gastos e das punições da Lei de Responsabilidade Fiscal até o final de 2020, sob a justificativa do combate à pandemia. Já se sabe que o governo federal não vem gastando com a pandemia, pois durante o 1º semestre não gastou nem 1/3 do orçamento com saúde, como aponta Élida Graziane, porém vem gastando com o auxílio emergencial cerca de R$ 50 bilhões por mês, segundo informado pelo próprio presidente. Já foram gastos cerca de R$ 350 bilhões.

Qual a diferença? Gastos com saúde podem inflar o balão político de governadores e prefeitos, enquanto que o auxílio emergencial tem o carimbo do presidente, que já é candidatíssimo à reeleição, embora tenha afirmado antes de ser eleito que proporia o fim da reeleição, inclusive para si próprio.

A lógica do gasto federal em meio à pandemia não é a de combater o vírus, mas ter ganhos eleitorais. Exatamente por isso que o Presidente escuda-se em uma leitura torta da decisão do STF na ADPF 672, que determinou à União que coordenasse as ações nacionais de combate à pandemia em todo o território nacional – a alegação é que o STF o impediu de agir, o que, definitivamente, não está escrito naquela decisão judicial1. A narrativa presidencial está vencendo os fatos, a despeito dos 106 mil mortos, até aqui.

Enfim, só o desejo de ter mais dinheiro para gastos políticos de campanha é que justificam alguns movimentos da Presidência da República nos últimos dias, tais como: (1) envio fatiado de proposta de Reforma Tributária no âmbito federal, o que demonstra falta de estudos, pois, se existissem, teria sido enviada de forma completa, e não parcelada; (2) abandono das duas PECs em trâmite no Congresso, as quais, se aprovadas, preveem prazo de início de vigência muito mais longo; (3) na proposta de unificação de Pis e Cofins (PL 3887) o início de vigência é de seis meses após sua aprovação. Quando será a eleição presidencial no Brasil? outubro de 2022, sendo que a campanha se iniciará logo após as eleições municipais deste ano.

Tudo isso vem sendo apresentado em um discurso de que a carga tributária não será elevada, o que não se sustenta considerando apenas o que já foi apresentado, como fartamente comprovado. Se computadas as notícias e entrevistas que dão conta dos demais projetos (CPMF, tributação dos dividendos, modificações na sistemática do Simples e do lucro presumido) o aumento de carga tributária será ainda mais brutal. Sem contar que no saco de maldades consta até mesmo o corte do abatimento dos gastos com saúde do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, justamente no ano da pandemia — pode?!

Não importa ao governo o perfil da reforma tributária, que busca apenas arrecadar mais. Tributação sobre o consumo vem embrulhada de forma invisível no preço dos bens e serviços; tributação sobre a renda alcança apenas a classe média; CPMF alcançará a todos, mas é apenas um tiquinho de cada movimentação financeira. E o caixa do governo só engorda, pois, de grão em grão, o saco enche.

Qual projeto de país que está sendo buscado? É só reeleição? Não é à toa que os alegados liberais começaram a desembarcar do governo. Parece que viram que o discurso não se adequa aos movimentos políticos em curso. Liberais buscam menor tributação e menos governo. O que se apresenta é justamente o contrário, acrescido de maior centralização de poder em Brasília.

O fato é que política se faz com gasto público. Não havendo espaço para gastar, restariam as alternativas de (1) cortar os atuais gastos, o que é inviável politicamente em termos de reeleição, ou (2) aumentar as receitas – opção colocada em pauta pelo Governo.

A sociedade está fragilizada pelo coronavírus, marca indelével desses tempos, tal qual a gripe espanhola no início do século passado. Terá forças para ver e combater esse brutal aumento de carga tributária que se avizinha, voltada apenas para o aumento de gastos visando a reeleição presidencial?

Acordemos.


1 Consta da decisão, com destaques do original, dentre outros trechos: “INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIÊNCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário”.