Opinião

A ilegalidade por trás da lei que possibilita o enriquecimento sem causa da União

Autor

  • Tiago e Costa da Conceição Macedo

    é advogado sócio do escritório Celso Barreiro Advogados Associados especialista em Direito Imobiliário e Tributário pós-graduando em Direito Financeiro e Tributário na Uerj e membro do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário).

15 de agosto de 2020, 17h36

A reforma tributária é uma das maiores (e antigas) discussões existentes no Brasil e voltou à tona recentemente, por uma proposta do governo federal [1], ainda que bem tímida. Tal discussão se dá não só pela malfadada carga tributária como pela complexidade do sistema tributário brasileiro.

Entretanto, não menos importante do que discutir a quantidade de tributos, a sua regressividade ou progressividade, sua natureza arrecadatória ou regulatória, é tratar bem sobre as formas de quitação dos tributos.

Nesse diapasão, temos que as modalidades de extinção do crédito tributário restaram elencadas expressamente no bojo do artigo 156 do Código Tributário Nacional. E, há quatro anos, a Lei 13.259 de 2016 veio dar cumprimento à parte final do inciso XI [2] daquele artigo, tratando das formas e condições de extinção do crédito tributário através da "dação em pagamento em bens imóveis". Todavia, a referida lei preceituou que sua efetivação ainda dependeria de um regramento normativo a ser editado pelo Ministério da Fazenda (atualmente, Ministério da Economia). Pois bem, tal regulamentação final se materializou em 2018 com o advento da Portaria da PGFN nº 32/2018.

O que pode parecer um ato de benevolência da Administração Pública merece bastante cuidado e atenção.

O alerta inicial se dá com a restrição criada para este modal, que, segundo a regulamentação, apenas se aplicará aos débitos tributários já inscritos em dívida ativa. O que é de se estranhar completamente, pois todo o rol de modalidades de extinção de pagamento do crédito tributário previsto no artigo 156 do CTN não realiza qualquer distinção nesse sentido. Portanto, ao contribuinte será necessário aguardar que sua situação esteja em circunstâncias demasiadamente periclitantes para que se possa adotar tal forma de extinção do débito. Sendo assim, temos um conflito entre o artigo 4º da Lei 13.259/16 e o CTN, pois, salvo melhor juízo, este artigo viola a mens legis do artigo 156.

Em seguida, temos um outro ponto de alerta e, talvez, o mais perigoso. A portaria da PGFN prevê no parágrafo 3º do artigo 3º, in verbis, que "se o bem ofertado for avaliado em montante superior ao valor consolidado do débito inscrito em dívida ativa da União que se objetiva extinguir, sua aceitação ficará condicionada à renúncia expressa, em escritura pública, por parte do devedor proprietário do imóvel, ao ressarcimento de qualquer diferença".

Veja, tal previsão não só extrapola os limites legais como impõe uma situação danosa e de extrema onerosidade a um contribuinte que, estando inscrito em dívida ativa, já se encontra em situação de enorme fragilidade. Além disso, ainda mais perigoso, se pensarmos no ordenamento jurídico como um todo, tal hipótese acaba por autorizar o enriquecimento sem causa da Administração Pública, o que configura não só uma violação da sistemática tributária que se pretende dar efetividade com essa lei como importa numa violação constitucional.

O locupletamento indevido é fenômeno que deve ser combatido por todos e, principalmente, como se espera, pela Administração Pública.

Ilustrando melhor o que estamos tratando, encontramos na Lei de Execução Fiscal, no parágrafo único do Artigo 24, a previsão de que, na adjudicação de bem penhorado, "se o preço da avaliação ou o valor da melhor oferta for superior ao dos créditos da Fazenda Pública, a adjudicação somente será deferida pelo juiz se a diferença for depositada, pelo exequente, à ordem do juízo, no prazo de 30 dias".

Ou seja, supracitada lei fiscal se preocupou em resguardar o ressarcimento do montante superior ao valor efetivamente devido, sendo certo que além de evitar o enriquecimento sem causa por parte da Fazenda/exequente, também acaba por privilegiar o princípio da menor onerosidade ao devedor, que, repisa-se, já se encontra em situação de vulnerabilidade intrínseca.

Isso posto, diante dos possíveis prejuízos que o devedor venha a sofrer, a dação em pagamento em bens imóveis, ainda que meio bem útil de extinção do crédito tributário, não deve ser adotada pelos interessados sem antes tomar as devidas cautelas e realizar um detido exame, sendo certo que as condições estabelecidas no ordenamento jurídico podem causar desagradável surpresa.

 


[1] Projeto de Lei n. 3887/2020, pelo Poder Executivo, que "Institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, e altera a legislação tributária federal.

[2] "Artigo 156. Extinguem o crédito tributário:

 XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei".

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