Opinião

Ilegalidade em portaria afasta cancelamento de protestos da dívida ativa

Autor

  • Juarez Casagrande

    é advogado professor escritor pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília pós-graduado em metodologia do ensino superior pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Paranaense pós-graduando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte sócio-diretor do escritório Juarez Casagrande Advogados e autor de artigos diversos publicados pela Revista dos Tribunais em especial artigo na revista vol. 920 de aniversário de 100 anos da editora.

15 de agosto de 2020, 6h35

O Negócio Jurídico Processual (NJP) é um dos meios pelo qual o contribuinte/devedor pode firmar um acordo com a União para regularizar sua situação cadastral e, assim, quitar suas dívidas e evitar expropriações de bens e direitos. É realizado quando o contribuinte busca satisfazer a execução em face dele, facilitando, assim, que a lide seja devidamente resolvida, e ambas as partes fiquem satisfeitas com a negociação.

Porém, geralmente, antes de ser realizado o acordo, a União, através de outras medidas extrajudiciais, a exemplo do protesto em cartório e as certidões da dívida ativa, inserindo o nome do contribuinte, o que por si só já é por muitas vezes suficiente para motivar o devedor a buscar uma solução para o problema, ante ao fato de que o protesto lhe gera sérias dificuldades nos mercados comercial e financeiro, impedindo-o de realizar inúmeros negócios necessários ao seu desenvolvimento.

É nesse contexto e em homenagem a uma execução fiscal mais eficaz, ao passo que muitas vezes o ajuizamento de cobrança judicial, tornava-se outra despesa à União, em razão que o devedor não tinha bens suficientes a garantir à execução e também não tinha problemas com a continuidade das atividades, eis que já havia encerrado as atividades. Por outro lado, com a entrada do novo CPC, sobreveio ao mundo jurídico o artigo 190, incentivando o negócio jurídico processual quando dispôs:

"Artigo 190 — Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".

Diante desses dois contextos, surge a figura do Negócio Jurídico Processual (NJP), previsto no §4º do artigo 3º da Portaria PGFN nº 742/18:

"§4º. Sem prejuízo da legislação aplicável aos débitos negociados, a celebração de NJP que objetive estabelecer plano de amortização do débito fiscal não suspende a exigibilidade dos créditos inscritos em dívida ativa da União".

Ocorre, porém, que neste momento, na maioria dos casos, já existe uma ação de execução fiscal, bem como, na maioria das vezes, as CDAs (Certidões de Dívida Ativa) já foram protestadas e nesse ponto a Portaria PGFN nº 742/18 acabou por valorizar um princípio básico do Direito quando deixou de constar que realizado o acordo, os protestos deveriam ser suspensos ou cancelados, obviamente, se os pagamentos se encontram em dia.

Deixando de dispor sobre o cancelamento ou suspensão do protesto, referida norma demonstra sério ferimento ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, por não beneficiar quem, de boa-fé, busca resolver a lide, também contrariando o princípio de que a execução deve ser a menos gravosa ao executado, conforme prevê o artigo 805 do CPC.

Dessa maneira, o cancelamento/suspensão dos protestos, quando realizado o NJP, deveria ser contemplado na portaria, mas, por algum motivo, acabou criando esse problema ao devedor, quando a medida mais justa possível, eis que a existência de protesto, pode, inclusive, prejudicar o próprio pagamento do acordo, ao passo que o contribuinte perde o crédito na praça e nas instituições financeiras.

Nesse sentido, o professor Pedro Batista Martins, citado por Rubens Requião, ministra que:

"O titular de um direito que, entre vários meios de realizá-lo, escolhe precisamente o que, sendo o mais danoso para outrem, não é o mais útil para si ou mais adequado ao espírito da instituição, comete, sem dúvida, um ato abusivo, atentando contra a justa medida dos interesses em conflitos e contra o equilíbrio das relações jurídicas"  (grifos do autor).

Dessa maneira, a União, com a portaria acima mencionada, deixou de aplicar a razoabilidade e proporcionalidade, escolhendo, desnecessariamente, o meio mais danoso para continuar cobrando o contribuinte, a saber, permanecendo com o protesto dos títulos, mesmo com sua dívida devidamente parcelada pelo NJP.

Cabe ressaltar que com o novo sistema constitucional foi também inaugurada uma nova ordem econômica, que vela pela livre iniciativa e propriedade privada, onde a empresa é mola propulsora.

Nesse sentido é pertinente a lição proferida pelo professor Wilson Batalha, que, com a maestria que lhe é peculiar, ministra:

"… A tendência moderna, considerou a realidade econômica de cada país, se preocupa principalmente com a empresa, como unidade, por seus reflexos sociais e econômicos, no contexto geral. Assim, a manutenção da Empresa é o objetivo prevalente…".

Dessa maneira, a realização do NJP, com a finalidade de evitar ou cancelar os protestos em nome dos contribuintes, sempre foi a maneira mais benéfica para o crescimento empresarial brasileiro, pois beneficia aqueles que buscam pagar suas dívidas.

Cabe salientar que não há prejuízo para a União em cancelar/suspender os protestos contra os contribuintes, já que, não cumprido o acordo, o protesto poderá ser novamente levado a efeito.

Sendo assim, tanto a União quanto as empresas, sejam beneficiadas, é certo de que a portaria é ilegal nessa parte, pois fere os princípios já comentados, ao passo que também afeta o próprio princípio da moralidade administrativa.

Também é importante notar que o NJP possui mais força de efetivar o pagamento de uma dívida com a União, do que a negociação pela via administrativa, que, em alguns casos, é realizado online, e sem a presença da autoridade administrativa, cite-se, o próprio Regularize, junto ao site da PGFN. Sendo assim, dispor ao contribuinte com o cancelamento/suspensão dos protestos sempre foi a medida mais justa a se tomar pelo poder judiciário, quando é realizado o NJP.

Por tais razões, negar a sustação dos efeitos dos protestos mediante o acordo, é o mesmo que desconsiderar o princípio da isonomia, mesmo que não exista lei prevendo a suspensão para casos do negócio jurídico processual, já que o princípio é regra a ser seguida, e a ausência de portaria nesse sentido não pode os sobrepor, tanto o da isonomia, quanto o princípio da razoabilidade, já que para os institutos da transação (Portaria nº 14.402/20 da PGFN) e do parcelamento (artigo 151, Inciso VI, CTN) realizado na via administrativa, sempre ocorre a suspensão não somente dos protestos, e inclusive, das execuções fiscais, caso existam, e até de leilões são suspensos, caso a dívida seja parcelada ou realizada a transação.

Partindo dessa interpretação, a Portaria PGFN nº 742/18 transparece ser abusiva, e os prejudicados poderão buscar o Poder Judiciário para evitar prejuízos para advindos do protesto.

E isso quem sustenta é Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Como as leis nada mais fazem senão discriminar situações para submetê-las à regência de tais ou quais regras – sendo essa mesma sua característica funcional — é preciso indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis".

Ademais, já lecionava o professor Marcelo Figueiredo que:

"Nas relações de Direito público o tema reaparece, paulatinamente, com a teoria do abuso do poder. Ademais, percebeu-se que, de fato, o Estado não pode estar alheio aos aludidos princípios. Deveras, o cidadão, o indivíduo, deve poder contar com que o Estado aja com lealdade, com boa-fé". (In O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 105 e 106) (grifos do autor)

O Poder Judiciário, nas poucas vezes que se tem notícia que foi provocado sobre o tema, também tem entendido como ilegal a restrição ou omissão contida na Portaria PGFN nº 742/18, a exemplo, o TRF da 4ª Região:

"Se o débito foi objeto de negociação, cujo acordo vem sendo cumprindo, não é razoável que sejam mantidos os efeitos do protesto das CDAs. A restrição embaraça o exercício da atividade econômica, obstaculizando as relações comerciais da executada junto aos seus fornecedores de mercadorias que são adquiridas para revenda e que geram as receitas necessárias para o próprio cumprimento do negócio entabulado com o Fisco. Representa, na verdade, uma sanção desproporcional frente a um débito que foi objeto de negociação junto ao credor".

No caso em comento, a União vinha protestando o contribuinte de maneira abusiva, pois, tendo já realizado o Negócio Jurídico Processual sobre determinadas dívidas, permaneciam realizando novos protestos sobre as mesmas em face da empresa.

Diante desse contexto, as contribuintes que se encontram nessa mesma situação, podem levar essa discussão ao Poder Judiciário, ou a União, o mais breve possível, podendo consertar essa ilegalidade mencionada, editando nova portaria, inclusive porque os procuradores seccionais, ainda que entendessem que seria o caso de suspender ou cancelar os protestos em razão do Negócio Jurídico Processual, sem uma legislação específica, não poderiam realizar o ato, sob pena de falha no dever funcional, daí porque a urgência sobre o tema.

É de fácil percepção que os princípios que regem nosso ordenamento jurídico, como o da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade pública e da isonomia, foram violados com a ausência de previsão para suspender ou cancelar os protestos, quando realizado o NJP.

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    é advogado, pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília, pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Paranaense, pós-graduando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte e sócio-diretor do escritório Juarez Casagrande & Advogados Associados.

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