Opinião

Em defesa da defesa no tribunal do júri

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14 de agosto de 2020, 19h19

Nossa antiga e consagrada instituição do tribunal do júri brasileiro vira e mexe é alvo de acirradas discussões, quando não de tentativas de levá-la ao descrédito, visando até mesmo a seu extermínio.

O tribunal popular conviveu (e sobreviveu) com todas as Constituições brasileiras. A bem da verdade, ainda que solapado em duas oportunidades — os históricos períodos ditatoriais 1937/45 e 1964 — encontrou na Constituição de 1988 um "repouso eterno" entre os direitos e as garantias fundamentais.

Assim, garantido como cláusula pétrea e fincado sob as garantias da soberania dos veredictos, plenitude de defesa e sigilo das votações, seu regramento é detalhado pelo Código de Processo Penal.

Aqui, um novo e necessário recorte para afirmar que sempre houve uma difícil harmonização entre a nossa legislação processual de 1941 e a Carta Maior de 1988.

A exemplo de outros institutos, o tribunal do júri sofre com essa incompatibilidade existencial, entretanto, ganhou um fôlego na reforma processual de 2008, aproximando-se um pouco mais do modelo constitucional vigente.

Agora, com o chamado pacote "anticrime" (Lei nº 13.964/19) sofreu novo ataque, alterando-se o artigo 492 do CPP, impondo a prisão após a condenação em plenário quando a pena for igual ou superior a 15 anos de reclusão, o que, a nosso sentir, é claramente inconstitucional.

Não bastasse tudo isso, há críticos que ainda expõe que o júri brasileiro beira uma fraude, que a instituição do júri é desnecessária no Judiciário brasileiro e ainda novas propostas de alterações legislativas são formuladas numa tentativa de amenizar tais críticas.

Entre as várias ideias sugeridas recentemente temos a proposta da abolição da primeira fase processual, numa tentativa de se produzir as provas diretamente perante o conselho de sentença. Aqui já nasce outro problema, pois quanto tempo duraria essa produção de provas em plenário? Semanas? Meses? Se o sistema judiciário mal dá vazão para os procedimentos em andamento, como se imaginar esse modelo proposto?

Outro ponto proposto, que não é tão novo, é a mudança do número de jurados, aumentado de sete para oito e, caso o veredicto reste empatado, isto beneficiaria o réu. Há ainda quem defenda número maior de jurados, como nove ou 11. Essa proposta já nos parece muito bem-vida.

Enfim, demonstrado este panorama do júri, o ponto central que se pretende expor aqui não são as reformas propostas, senão demonstrar um outro olhar ao tribunal do júri.

Se de um lado críticos acreditam em julgamentos por questões cênicas, jurados que se apegam aos argumentos trabalhados nos debates em plenário e não nas provas produzidas nos autos, ao analisarmos a Justiça criminal como um todo, qual a constatação possível de ser feita nos julgamentos de processos comuns, aqueles realizados por juízes togados?

O número cada vez maior da população carcerária nacional diz muito sobre a forma como são julgados os processos criminais brasileiros. Como regra, na contramão dos mandamentos constitucionais, nasce nos inquéritos a presunção da culpabilidade. Nem teve início o processo e pessoas são vistas como prováveis culpados. Após o recebimento da denúncia, o processo já possui uma decisão condenatória, bastando amealhar elementos a fundamentá-la. Infelizmente, essa é a regra, com raríssimas e louváveis exceções.

Ainda vem ganhado espaço — e cada vez ocupará maior — a chamada "inteligência artificial", que, em outras palavras, pode ser nominada de "juiz robô”. Algoritmos, fórmulas, palavras-chave e filtros, tudo isso faz parte do novo cenário jurídico desenhado para o século XXI em diante. São esses mecanismos que determinam hoje alguns despachos denegatórios de seguimento de recursos, liminares em Habeas Corpus e vários outros atos judiciais. Em breve, facilmente avançará nas decisões de mérito dos processos. É a verdadeira desumanização do Direito Penal, como se pudesse existir um Direito Penal (e Processual Penal) que não seja "de" e "para" seres humanos.

O Direito talvez seja uma das maiores expressões das ciências humanas e sociais aplicadas e, ainda que a tecnologia possa ser largamente utilizada em qualquer área, parece-nos incompreensível sua desumanização.

No tribunal do júri não há espaço para os chamados "juízes robôs". Nesse local a humanização é uma dádiva intangível. O dramático contexto do fato levado a julgamento, o histórico do réu e da vítima, as palavras das testemunhas, a acusação viva e latente, em paridade de armas com o defensor, que exerce seu papel em plenitude, tudo isso são expressões máximas de humanidade!

Portanto, há de se defender sempre a instituição do júri, pois os maiores dramas da humanidade por aqui passam e as respostas humanas são necessárias.

Encerro com as palavras tantas e tantas vezes repetidas por um dos maiores advogados criminais da nossa história, o inesquecível Márcio Thomaz Bastos: "O tribunal do júri é um instrumento de captação da realidade, sensível e inteligente de fazer justiça!".

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