Opinião

Os 14 anos da lei que mudou a forma como lidamos com a violência contra a mulher

Autores

  • Danielle Gruneich

    é advogada e servidora pública federal especialista em Direito Tributário Direitos Humanos e Democracia Participativa República e Movimentos Sociais e consultora da Aliá Política para as Mulheres. Atua na área de Direito Eleitoral com ênfase em candidaturas femininas e em ações de incentivo à participação da mulher na política.

  • Iara Cordeiro

    é administradora pós-graduada em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) com formação no Curso Internacional em Políticas Públicas Justiça e Autonomia das Mulheres na América Latina e Caribe pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO) e é consultora da Aliá Política para as Mulheres (www.aliapolitica.com.br).

14 de agosto de 2020, 10h34

A publicação da Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, foi um grande marco no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres no país. Tanto que em 2012 as Nações Unidas classificaram a Lei Maria da Penha como a terceira melhor do mundo no combate à violência contra a mulher, atrás apenas das da Espanha e do Chile.

A Lei Maria da Penha foi construída a muitas mãos e contou com a pressão dos movimentos de mulheres. Além disso, a sensibilização do governo com a situação das mulheres, a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (2003), a atuação da bancada feminina no Congresso Nacional e os debates das Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs) foram outros fatores importantes que contribuíram para sua criação.

Em 1992, as parlamentares criaram a CPMI para investigar a questão da violência contra a mulher, que indicou que a carência de informações e dados sobre esse tipo específico e recorrente de violência nos Estados revelava o descaso por parte das autoridades em relação à proteção integral das brasileiras. Já em 2003, a CPMI que investigou a exploração sexual contra crianças e adolescentes apontou a grave violação aos direitos humanos das meninas e das jovens submetidas à exploração sexual. A notificação dos casos de violência doméstica e sexual pelo sistema de saúde público e privado tornou-se obrigatória em 2003, com a Lei nº 10.778/2003.

A Lei Maria da Penha é severa, repleta de mecanismos de responsabilização dos agressores, mas não atua sozinha. Sem campanhas de educação e conscientização, sem investimento no atendimento e na apuração das denúncias e sem ações para a erradicação da violência, a lei é vista como branda, causando insegurança nas vítimas e denúncias subnotificadas.

Diante dessa realidade, em 2012, duas décadas após a primeira CPMI que investigou a violência contra a mulher, a bancada feminina do Congresso se debruçou novamente para o exame da atual situação da violência contra a mulher com uma nova CPMI, que concluiu que a "luta para a superação da violência contra as mulheres é dever de todos os poderes constituídos e de toda a sociedade. A violência contra as mulheres ameaça a democracia, enfraquece a igualdade entre homens e mulheres, favorece a discriminação e compromete a integridade física e psíquica das futuras gerações".

Em 2015, as parlamentares conseguiram aprovar a Lei nº 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, que é o assassinato de mulheres por serem mulheres, envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. Essa lei foi importante para nominar o assassinato de mulheres e diferenciá-los dos outros homicídios, mostrando que ele acontece na maioria das vezes no ambiente familiar, onde a vítima tinha relação de confiança com seu assassino.

O Brasil é o quinto país que mais comete feminicídio. E o contexto da violência contra a mulher é alarmante. Durante a pandemia, além da sobrecarga do trabalho doméstico, foi constatado o aumento de 40% da violência contra a mulher. A vítima se viu obrigada a ficar confinada com seu agressor, sem possibilidade de denunciar ou se afastar. E atentas à essa realidade, as parlamentares aprovaram a Lei nº 14.022/2020, para a defesa das mulheres no período de pandemia.

Mas a violência contra as mulheres não acontece apenas no ambiente privado. Diariamente mulheres são agredidas verbal e fisicamente, assediadas, silenciadas, xingadas, expostas na internet, recebem menores salários e ocupam menos cargos de chefia. E esse cenário que acontece nas ruas e nas empresas também é vivenciado na política, quando a mulher tenta participar ativamente na tomada de decisão que vai impactar a sua cidade e o seu país.

Apesar de diversas ações afirmativas da Justiça Eleitoral para incentivar a maior participação das mulheres na política, com cotas de candidaturas e mais recentemente, em 2018, com a reserva de 30% dos recursos e do tempo de TV e rádio para as mulheres, ainda somos sub-representadas no Parlamentos e nas Câmaras e Assembleias pelo país.

Por isso, em 2019, novamente as deputadas federais protagonizaram o debate para jogar luz a essa outra violência, a violência política. Dentro da programação dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher, a coordenadora da bancada feminina, professora Dorinha; a primeira secretária, Soraya Santos; e a líder da minoria, Jandira Feghali, lançaram a Campanha Contra a Violência Política de Gênero. Inédita nos parlamentos do mundo, a campanha traz como ideia central a questão de que a maior vítima da violência política de gênero é a própria democracia: "Violência política de gênero. A maior vítima é a democracia".

Apesar de não tipificada na Lei Maria da Penha, é possível traçar um paralelo entre as violências citadas na lei e as violências que a mulher sofre quando ingressa na política, como quando o homem pega os recursos da campanha da mulher para sua própria campanha, que é a violência patrimonial. Quando o homem pratica o assédio político, que é a violência psicológica. Quando o homem xinga e constrói mentiras sobre aquela candidata e sua índole, que é uma violência moral. E infelizmente, temos até mesmo o assassinato de parlamentares, como nos casos de Ceci Cunha e Marielle Franco.

Os avanços obtidos com a criação da Lei Maria da Penha foram, em especial, uma luta das parlamentares no Congresso, pois em geral os parlamentares também acreditavam na "máxima": em briga de marido e mulher não se metia a colher. Combater toda e qualquer violência contra a mulher, em todos os espaços é uma questão social, moral, política, de segurança e de justiça. Quanto mais mulheres nos espaços de poder e decisão, mais teremos ações para garantir creches e escolas em horário integral, salários iguais e punição de toda e qualquer violência contra meninas e mulheres.

A Lei Maria da Penha é um instrumento importante. Refletir sobre a amplitude de sua aplicação, inclusive seus paralelos com a violência política de gênero, mostra a necessidade de aprimorar o marco legislativo para dar luz a uma violência que era invisível até pouco tempo, assegurando proteção à todas as mulheres, em todos os espaços que frequentam.

O combate à violência contra a mulher não deve ser lembrado apenas no aniversário da lei. Deve ser uma ação contínua da sociedade, do governo e do Parlamento, protegendo as meninas e mulheres e conscientizando toda a população sobre a responsabilidade do enfrentamento de toda e qualquer forma de violência e discriminação.

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    é advogada, servidora pública federal, especialista em Direito Tributário, Direitos Humanos e Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais, atua na área de Direito Eleitoral, com ênfase em candidaturas femininas e em ações de incentivo à participação da mulher na política e é consultora da Aliá Política para as Mulheres (www.aliapolitica.com.br).

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