Falso flagrante

Juiz de Goiás ordena soltura de homem que teve a casa invadida por PM disfarçado

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12 de agosto de 2020, 20h51

Nenhuma pessoa pode sofrer intervenção em suas liberdades sem que sejam observadas as limitações impostas ao poder punitivo do Estado. O entendimento é do juiz Denival Francisco da Silva, da 11ª Vara Criminal de Goiânia, ao ordenar a soltura de um homem preso em flagrante após denúncia anônima. A decisão foi proferida no domingo (9/8), durante plantão judicial. 

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Para juiz, PM goiana forjou prisão em flagrante
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Segundo os autos, os policiais sem farda se deslocaram até a residência após ligação não identificada. O autuado foi chamado no portão e acabou tendo o domicílio violado depois de se comportar "de forma suspeita". Apenas posteriormente a PM fardada chegou ao local. Lá, foram encontradas pequenas porções de maconha e cocaína. 

Em depoimento, a polícia justificou a ação afirmando que o autuado apresentou "certo nervosismo, olhando para os lados todo desconcertado, deixando claro e evidente que foi surpreendido pela aproximação policial". 

O comportamento, prossegue o relato, "é bastante comum em delinquentes que estão portando objetos ilícitos sem que tenha a dissimulação necessária para ao menos tentar agir naturalmente sem despertar a atenção, fato este que devido a prática policial desperta grande desconfiança e por esse motivo a equipe resolveu realizar" a abordagem. 

Segundo o juiz, é possível notar, de pronto, vícios incontornáveis na peça informativa da Delegacia de Polícia, uma vez que o relato demonstra ausência de situação de flagrante, abuso de autoridade e arbítrio policial. 

"Olha a que ponto chegamos! Direito penal do inimigo explícito. O policial não gosta do 'comportamento' do indivíduo, ou já tem mentalizado um perfil padrão e, sobre este dados fenotípicos resolve estabelecer suas regras. De imediato o considera como suspeito e, então, invade a casa", afirma a decisão. 

De acordo com o magistrado, a declaração policial, por si só, desmistifica o suposto flagrante anunciado. "Não havia nada com o autuado naquele momento. Houve só — e gravemente — uma leitura preconcebida sobre as pessoas e que, neste caso, sobretudo, ultraja os direitos fundamentais do sujeito, a ponto de fazer dele, antecipadamente, um 'delinquente' (para usar a expressão policial) e, então, depois, encontrar o fato". 

Função ostensiva
Segundo o artigo 144, parágrafo 5º, da Constituição Federal, as polícias militares exercem apenas o policiamento ostensivo, preservando a ordem pública. O papel investigativo, por outro lado, é da polícia judiciária (Civil e Federal). 

Desta forma, afirma a decisão, os policiais disfarçados sequer poderiam ter feito diligências investigativas, indo até a casa do autuado a partir de um telefonema anônimo. A chamada, destaca o juiz, sequer tem registro, indicando que ela foi feita diretamente para o telefone da viatura. 

"Ainda que se aceite esta condição, depende de maiores detalhamentos (sem revelação de fonte), antes de sair por aí à 'caça'. É preciso que, de posse de elementos palpáveis, se faça antes incursões para se confirmar a veracidade dos fatos, não chamando na campainha para indagar o morador se há coisas ilícitas na casa", diz o magistrado. 

Assim, o juiz considerou que não pode haver persecução penal feita por meio de provas ilícitas. Argumentou, ainda, que os elementos indicam que o auto de prisão em flagrante foi forjado, sendo, por consequência, nulo. 

Por fim, destacou que o autuado afirma ter sido vítima de agressão. Para ele, ainda que exame não tenha atestado sinais de lesão, a declaração do homem deve ser melhor investigada, já que todo o relato da PM apresenta incongruências. 

Assim, ele ordenou que a cópia dos autos seja remetida ao Ministério Público e à Corregedoria da Polícia Militar para que medidas cabíveis sejam tomadas. 

Clique aqui para ler a decisão
5389240.56.2020.8.09.0051

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