Opinião

Para além deste inverno de 2020

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11 de agosto de 2020, 6h34

1. Dados diferentes e leituras ainda mais diferentes
Vários dados existem. Muitas leituras destes dados são possíveis.

Todos que atuamos junto à Justiça do Trabalho conhecemos, ainda, o fenômeno da "subnotificação", relativamente às doenças e acidentes do trabalho.

No caso da atual pandemia, chega a existir notícia de que outras doenças já tiveram maior índice de contágio. Diz, em site de muito acesso, que "Coronavírus: Contagia menos que sarampo e mata menos que varíola: números da Covid-19”.

Uma reflexão se impõe, antes da crítica aos dados anteriores. Acaso sejam corretos, estão a revelar que bem pior do que a gravidade da doença mais recente é a insuficiência do sistema de saúde pública e, acima de tudo, das demais políticas sociais.

O Estado, que já se tentou chamar de "bem estar", tem dificuldades, até mesmo, quanto a mais elementar orientação para práticas de distanciamento social. Isso não apenas em nosso país.

2. Ilegalismo
As dificuldades de organização da sociedade, quanto a sua economia e regras de convívio, são crescentes.

A Medida Provisória 881 foi convertida na Lei número 13.874, com pouquíssimos aperfeiçoamentos do debate parlamentar. É instrumento legal a merecer maior estudo.

Todos sabemos que estamos em um sistema não planificado. Todos sabemos, denominando de diversos modos, que existe um processo de desregulamentação.

Nos dias atuais, a orientação de distanciamento social apresenta-se como inviável para certos setores.

As grandes empresas de aviação são exemplo mais visível e mais característico. Tanto as de viagens comerciais como as industriais, salvo se tiverem maior entrelaçamento com a indústria bélica.

As medidas a pequenas empresas, por óbvio, tem dificuldades de continuidade.

O desconhecimento quanto ao "tempo" das dificuldades da saúde pública impede a elaboração de planos econômicos mais consistentes.

Já se ouviu que os programas de renda mínima, no Brasil, deveriam alcançar cem milhões de pessoas,  o dobro dos primeiros meses. E, na Índia, deveriam alcançar um bilhão de pessoas, eis que sua "classe média" é de 300 milhões, apenas.

Diante destas incertezas e ineficiências, diminui a legitimidade das instituições sociais, comunitárias e estatais.

Mencionou-se que existe reconhecimento oriundo do próprio Estado, quanto aos seus limites atuais, verdadeiros ou vindouros.

O próprio Estado se reconhece como envolto com o "ilegalismo". Este é o atualíssimo texto do Procurador do Trabalho Rodrigo Carelli.

3. Primeiros meses de distanciamento social
Em anteriores outros dois textos, examinamos os primeiros meses de distanciamento social.

No texto "Dois Meses de Distanciamento Social", em aproximadamente dez páginas comentou-se sobre:
a) Dificuldades pequenas e médias empresas;
b) Nexo Técnico Epidemiológico;
c) Uniformização da jurisprudência;
d) Despedidas em Números Elevados;
e) Julgamentos virtuais.

Num segundo texto, "Três Meses de Distanciamento Social", em breves duas páginas, registraram-se os estudos sobre trabalho remoto e, acima de tudo, o grito da filha de George Floyd, com seis anos e clareza incomum sobre o rumo da história.

4. Atividades virtuais
As sessões de julgamento da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul, a qual integro, nestes dias de pandemia, foram realizadas em duas modalidades:

a) virtuais, na forma da Resolução 9 de 2.018, com alterações,
b) telepresenciais por videoconferência, na forma da Portaria 1.406 de 2020.

Nas sessões realizadas na segunda modalidade, organizaram-se intervalos para visitas virtuais. Estiverem presentes, virtualmente, os juízes a seguir:

a) Juíza Carolina Hostyn Gralha, do Brasil (leia aqui ou assista aqui)
b) Juiz Oscar Zas da Argentina (leia aqui)
c) Juiz Álvaro Flores, do Chile (leia aqui ou assista aqui)

d) Juiz José Fernando Lousada Arochena, da Espanha.

A partir da Secção de Dissídios Coletivos, participei de inúmeras audiências virtuais e, até mesmo, de visita virtual a determinada sede de empresa. Neste caso, não se tratava das condições de trabalho daqueles que continuavam e, sim, dos pagamentos de parcelas rescisórias dos despedidos, em menor número. O objetivo era verificar a permanência de toda maquinário e existência de estoque, com produtos encaixotados, prontos para vendas, tão logo retomadas estas.

Nestas audiências virtuais de mediações coletivas, já se viu a formação de grupo de mensagens eletrônicas para debate sobre o destino do valor da venda das máquinas e demais equipamentos, em caso de fechamento ou diminuição de atividades da empresa. Em conciliações individuais, estas previsões poderão ser adaptadas e adotadas, ainda que tenham menor força.

5. Melhores condições de trabalho e atualidade excepcional
O congresso do International Stress Management Association no Brasil Isma-BR, neste ano, realizou-se de modo virtual. Foi bem coordenado por Ana Maria Rossi e ocorreu em junho.

Ali, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Brandão mencionou a expressão “Direito do Trabalho de Emergência”. Utilizou a expressão em razão da excepcionalidade do momento que vivemos. Podemos exemplificar, agora com nossas observações:

a) grande quantidade de normas sobre funcionamento do próprio Poder Judiciário;
b) Medidas Provisórias, algumas convertidas em Lei e, até mesmo, uma delas “retirada” por outra Medida Provisória;
c) exame de constitucionalidade de Medida Provisória, no Pleno do Supremo Tribunal Federal, antes de seu debate no Congresso, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, número 6.363, sobre alterações dos contratos de trabalho, sem ouvida do sindicato;
d) maior incidência de normas anteriores, com situações que não eram habituais, como Banco de Horas, com existência de horas negativas, o que era incomum ou quase desconhecido, na vivência da Justiça do Trabalho.

Estamos diante de “leis antigas”, em um “mundo novo”, no dizer de Sebastião de Oliveira, Juiz do Trabalho em Minas Gerais.

Outro exemplo da excepcionalidade do momento está em certo e acertado julgamento do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul. Em Embargos Declaratórios, em processo sob o rito sumaríssimo, com debate sobre constitucionalidade, levou-se a controvérsia ao Pleno do mesmo Tribunal.  Aí, houve decisão por unanimidade, sendo o Acórdão de número 0021089-94.2016.5.04.0030, (PJe) RO, da relatora desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti, Órgão Julgador Tribunal Pleno.

Em evento da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho, de Pernambuco, sob o Tema “Gerenciamento de Processos no Processo Civil Norte-Americano”, ouviram-se os expositores: Sérgio Torres, desembargador do TRT-6, Fernanda Junqueira, juíza do Trabalho, Marcus Onodera, juiz de Direito, e Peter J. Messite, juiz distrital em Maryland (EUA). No dia 24 de junho deste 2020, ocorreu este evento virtual.

Ali, Peter J. Messite, Juiz Distrital em Maryland, Estados Unidos da América, assinalou que, em seu País, as questões trabalhistas são examinadas de maneira esparsa ou "fragmentadas". Noticiou, ainda:
a) o amplo uso de audiências virtuais, nas esferas judiciais e também nas agências administrativas;
b) a presença do tele trabalho para servidores do judiciário e das agências administrativas, inclusive, a partir de agora, com uso muito maior da tecnologia;
c) as dificuldades de celeridade, especialmente para realização de julgamentos no júri, com 12 pessoas;
d) a previsão de salões de audiências mais abertos;
e) que o sistema norte americano não é totalmente oral, todavia, tem a oralidade muito presente, na esfera do cível e do crime.

6. Distância física maior
Nestes dias, passamos a ter maior distância de quase todos. Maior ainda, a distância física de alguns. Entre estes o juiz do Trabalho Paulo Orval.

Foi da biblioteca pessoal do juiz que li, na década de 1980, dois livros de Manuel Trueba Urbiña, autor do México, bem anterior a Mário de La Cueva.

Acredita-se que estas linhas possam contribuir para a convicção de que existem novas oportunidades e de que iremos ultrapassar este inverno de 2020.

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