Opinião

A cultura do diálogo é uma das estratégias da Secretaria Nacional de Justiça

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11 de agosto de 2020, 20h06

A capacitação de conciliadores e mediadores e o fomento à formação de terceiros facilitadores, em especial, instrutores e supervisores que atuarão na prevenção e na solução de conflitos têm sido um dos temas estratégicos trabalhados pela Secretaria Nacional de Justiça.

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O secretário Claudio de Castro Panoeiro
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O tema retrata o firme propósito do governo brasileiro no incentivo a ações que favoreçam o diálogo e o entendimento entre as pessoas, como forma de solução pacífica dos conflitos, o que, aliás, sempre foi uma característica do povo brasileiro desde os tempos da colonização portuguesa.

As Ordenações Filipinas, de 1603, no Livro III, T 20, § 1º, já faziam referência à mediação como instrumento para a solução de conflitos. A Constituição do Império de 1824 manteve idêntica orientação ao dispor no artigo 161 que a tentativa de reconciliação prévia seria condição inafastável para a futura instauração de um processo. Na oportunidade, a Constituição entregou o exercício dessa importante tarefa aos Juízes de Paz, que deveriam atuar como se fossem um legítimo "mediador". Eles tinham a missão de exortar as partes ao consenso, à celebração de um acordo de cavalheiros, com o qual terminariam o conflito, o que não raro acontecia.

A crescente popularidade dos juízes de paz rapidamente despertou o interesse das diferentes correntes políticas existentes no Brasil do século 19. Liberais e conservadores passaram a disputar com afinco a indicação desses profissionais, com o exclusivo propósito de convertê-los em instrumentos a serviço de sua própria ideologia. Assim, colocaram os seus interesses pessoais à frente de qualquer outro objetivo perseguido pelo Estado com a criação dos Juízes de Paz, olvidando-se do importante papel que desempenhavam na consecução dessa política pública de não judicialização.

A prática nociva acabou por lançar a mediação e a conciliação em desuso, sendo completamente abandonada após a proclamação da República. Essa situação permaneceu até o Código de Processo Civil de 1973, o qual fez expressa referência à conciliação em alguns dos seus dispositivos. Com fundamento nestes normativos, inclusive, alguns juízes e tribunais levaram adiante experiências esparsas de conciliação, com o sincero propósito de modificar a cultura do conflito que havia predominado desde meados do século 19.

A iniciativa desses juízes influenciou o legislador brasileiro dos anos 1980, o qual aprovou a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, que considerou a composição amigável dos conflitos premissa fundamental nos processos submetidos a esses órgãos jurisdicionais.

A iniciativa, ainda que tímida, rapidamente chamou a atenção dos juristas brasileiros para a necessidade de adotar a mediação e a conciliação como instrumentos destinados à prevenção e à solução dos conflitos, em especial diante da crescente judicialização verificada a partir do final do século 20.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em 2017, tramitavam no poder judiciário brasileiro cerca de 80 milhões de processos, sendo a maioria deles (94%) localizados na primeira instância. Segundo o Conselho, a maior concentração de processos interfere diretamente no volume de trabalho dos magistrados e na denominada taxa de congestionamento.

No primeiro caso, os juízes de 1º grau recebem, em média, 7.219 processos cada ano, enquanto os magistrados de 2º grau acolhem 3.531 processos no mesmo período. No segundo caso, os processos em curso no 1º grau experimentam uma taxa de congestionamento de 74%, ao passo que os feitos em curso na 2ª instância apresentam uma taxa de 54% no mesmo período.

Mas nem tudo é para se lamentar. Ao final de 2018, pela primeira vez em quinze anos, o número de processos em tramitação no poder judiciário caiu em comparação com o ano anterior. De acordo com o Anuário Justiça em Números 2019, ao final de 2018, tramitavam no poder judiciário brasileiro 78,7 milhões de processos, sendo realizados 32,4 milhões de julgamentos naquele ano.

Muitos fatores podem ser responsáveis por esta redução, como, por exemplo, a maior eficiência de juízes e funcionários na execução das suas tarefas, ou as recentes alterações legislativas promovidas no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, é importante lembrar que, em 2015, foram promulgados o novo Código de Processo Civil e a Lei de Mediação. Ambos os diplomas incentivam que juízes e partes busquem o diálogo antes de levar adiante qualquer demanda judicial.

Trata-se de retomar aqui, ainda que com novas ferramentas, a cultura do diálogo iniciada nas Ordenações Filipinas, de 1603, e que foi indevidamente abandonada a finais do século 19, graças a uma ineficiente execução da política pública.

Para não incorrer nos mesmos erros do passado, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, busca oferecer instrumentos para a capacitação dos profissionais que atuarão diretamente na mediação e conciliação de conflitos, apoiando iniciativas como a dos professores Kazuo Watanabe e Valeria Ferioli Lagrasta, que lançam nesta quarta (12/8) o livro Curso de Formação de Instrutores — Negociação, Mediação e Conciliação, com recursos do ministério.

Esperamos, sinceramente, que a obra por eles capitaneada fomente a cultura do diálogo na sociedade brasileira, abandonando de vez a cultura do conflito e da solução ditada por sentença.

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