Opinião

Morreu um grande brasileiro: Pedro Casaldáliga

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8 de agosto de 2020, 18h55

Morreu um grande brasileiro. O bispo da Igreja católica, Pedro Casaldáliga, que morreu na manhã deste sábado, em Batatais (SP), aos 92 anos de idade, nasceu numa cidadezinha da Catalunha, mas viveu uma vida inteira no Brasil e pelo Brasil. Pelos pobres e indígenas do Brasil. E lutou sua vida inteira para que os pobre e indígenas tivessem um país melhor para todos os brasileiros.

CEFEP/REPRODUÇÃO
O bispo, que passou boa parte de sua
vida no Brasil, morreu aos 92 anos
Cefep/Reprodução

Não importa que, por ter nascido fora do Brasil e por ter contrariado os poderosos desse país, esteve a ponto de ser expulso do Brasil nas trevas da ditadura militar. Não aconteceu, mas se tivesse acontecido seria a ordem natural das coisas. Seu espírito libertário não combinava nem um pouquinho com ditadura.

Pedro Casaldáliga nasceu em Balsareny, província de Barcelona, em 16 de fevereiro de 1928, em uma família muito católica que logo, logo iria viver o drama da Guerra Civil espanhola e que colocaria o pequeno Pedro no lado errado da luta. Se pudesse escolher, Pedro certamente haveria de se alinhar com os republicanos progressistas e não com os falangistas conservadores e catolicos. O fato é que a guerra marcou sua vida muito cedo, causando grande sofrimento à sua familia, independentemente das opções ideológicas que ela tenha feito.  

Aos 24 anos, ordenou-se padre, da Congregação Claretiana. Formou-se em jornalismo e dirigiu a revista Iris, dos claretianos, foi professor de um colégio de padres, como costumavam fazer todos os padres naqueles tempos. E em 1968, mal completados os 40 anos, mudou-se para o Brasil.

Foi direto para o Brasil profundo. Estabeleceu-se em São Félix do Araguaia, no norte de Mato Grosso, que então era um estado único junto com Mato Grosso do Sul. Uma vastidão de terra dominada pelo latifúndio, que já naquele tempo começava o processa de expansão da fronteira agrícola para o oeste. Quem também ocupava a região eram os índios – Xavantes, Karajás, Tapirapés e mitos outros povos – já sofrendo então o impacto da nova economia que avançava por aqueles grotões.

 Em plena ditadura militar, envolveu-se logo com os movimentos sociais, na luta pela posse da terra, na defesa da causa indígena e dos direitos humanos. Ajudou a fundar o Cimi, o Conselho Indigenista Missionário, e a CPT, a Comissão Pastoral da Terra. Em 1971, foi sagrado bispo pelo papa Paulo VI. Ele que já não usava batina, adotou um chapéu de palha no lugar da mitra e um cajado indígena no lugar do báculo, símbolos do poder episcopal.

Junto com Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, e Tomás Balduíno, de Goiás, e outros poucos hierarcas, lideraram a parcela da Igreja que não aderiu aos generais. Por isso nunca foi prestigiado pela cúpula católica nem pelo papa João Paulo II. Mas se tornou um herói da resistência ao autoritarismo e à repressão. 

A nomeação como bispo foi uma maneira de preservar o agitador social. Sua atuação e favor dos pobres e oprimidos lhe valeram inúmeras ameaças de morte. Matar um bispo não é o mesmo que matar um padre. Então mataram seus colaboradores, assim como morriam aos montes os pobres que ele atendia, de morte matada ou provocada pela doença e pela fome.

Em 1976, ao tentar defender duas mulheres que estavam sendo torturadas em uma delegacia de polícia, em Ribeirão Cascalheira (MT), foi assassinado o padre João Bosco Penido Burnier, que o acompanhava na diligência. Atiraram no padre que estava de batina, pensando que era o bispo. O último atentado ele sofreu já em 2012, quando atuava junto com os Xavante pela recuperação da Terra Indígena Marawatsede, no norte de Mato Grosso.

Foi um dos impulsores da Teologia da Libertação, o movimento dos padres progressistas que pretendia tirar a igreja da sacristia e levava-la às ruas em defesa da justiça social. Sua atuação provocou a ira dos militares que tentaram expulsá-lo, movendo cinco processos nesse sentido contra ele. A pressão nacional e internacional impediu que a medida se concretizasse.

Era um intelectual, escreveu 27 livros, incluindo poesia, teatro, religião, antropologia e sociologia. Em parceria com Pedro Tierra e Martin Coplas, escreveu a Missa da Terra Sem Males, uma cantata em memória do extermínio dos povos originários das Américas. Outros tantos livros foram escritos sobre ele. Sua vida é contada também no filme Descalço sobre a Terra Vermelha, do diretor espanhol Oriol Ferrer, disponível na internet, no site da TV Brasil.

Dom Pedro Casaldáliga morreu neste sábado, em Batatais em decorrência de complicações respiratórias. Ele sofria de mal de Parkinson, há alguns anos. Tinha 92 anos. Seu corpo será velado em Batatais, na comunidade claretiana da qual fazia parte, em Ribeirão Cascalheira, na igrejinha construída no local em que foi assassinado o padre Burnier, e em São Félix do Araguaia, onde ele morava e  fica o cemitério dos Karajás, em que pediu que fosse enterrado.

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