Opinião

Movimentos antirracistas pressionam por mudanças em organizações

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6 de agosto de 2020, 18h13

A nova década iniciou-se de modo singular. Os ventos de mudança pela implementação de uma cultura organizacional mais inclusiva e geradora de impactos sociais positivos veem-se reforçados pelas manifestações do movimento Black Lives Matter (em português, "Vidas Negras Importam"), ao qual juntaram-se vozes de expressão dos mais diversos segmentos da sociedade. O movimento, rapidamente espalhado em nível global, clama por efetiva igualdade de tratamento aos negros e reconhecimento das agruras ainda sofridas por uma comunidade que lamentavelmente carrega o peso de uma odiosa herança escravocrata. Somam forças ao movimento antirracista outros fortes movimentos de minorias, como a defesa dos direitos das mulheres. Reivindica-se a igualdade de oportunidades, possibilitada através do oferecimento de instrumentos que permitam a competição em igualdade de condições entre pessoas humanas. Em busca dessa igualdade de fato, e não apenas de direito, as organizações podem exercer importante papel e, certamente, não escaparão da expectativa de que adotem uma postura ativa na transformação da sociedade nesta nova década.

A pandemia tem mostrado que as minorias são as que mais sofrem com seus efeitos negativos, a exemplo das mulheres e dos negros. As mulheres têm sido mais penalizadas em suas carreiras, pois, além de terem sido suspensas as atividades em setores majoritariamente ocupados por mulheres, como estética, com o fechamento de escolas e creches, elas foram as primeiras a abrir mão de seus trabalhos para cuidar dos filhos; segundo a Pnad Contínua, no primeiro trimestre de 2020 a demissão de mulheres foi 25% maior do que a de homens. Ademais, não apenas a situação econômica de mulheres piorou, mas também sua integridade física e psicológica, uma já que elas têm sido vítimas de um aumento significativo da violência doméstica praticada por parceiros abusivos em tempos de isolamento. Os negros, por sua vez, também sofrem mais com desemprego e perda de renda, especialmente porque é uma população que depende de trabalhos informais, os primeiros a serem prejudicados em épocas de crise.

Segundo o IBGE, a população brasileira é formada por 51,8% de mulheres e 53,92% de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas. Contudo, essas populações ainda são sub-representadas nos espaços de poder. Segundo levantamento de 2016 realizado pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) junto a 339 companhias listadas na B3, 37,8% das empresas possuem mulheres em seus conselhos de administração, porém, elas são absoluta minoria entre o total de assentos existentes nos conselhos: de um total de 2.244 conselheiros, apenas 7,9% são mulheres. Esse quadro é agravado pelo fato de que as mulheres ganham 79,5% do total do salário pago aos homens, conforme dados da Pnad Contínua 2018. A situação dos negros é ainda mais preocupante. Segundo estudo de 2016 do Instituto Ethos com as 500 maiores empresas do Brasil, os negros (incluídos pretos e pardos) compõem apenas 4,9% dos conselhos de administração e 6,3% dos cargos de gerência das empresas. As mulheres negras, duplamente penalizadas em razão do gênero e cor, ocupam ínfimos 0,4% dos cargos executivos das empresas.

As empresas brasileiras ainda pouco adotam políticas de promoção de equidade racial e de gênero; poucas também são as ações voltadas à eliminação de preconceitos e barreiras para a contratação e manutenção de minorias em sua estrutura de trabalho. A população brasileira, formada por um povo miscigenado e diverso, rico em diversidade de raças, etnias e cultura, precisa se ver melhor representada nas empresas que aqui atuam.

As organizações precisam garantir que suas políticas salariais não sejam discriminatórias, bem como estudar seus quadros internos e, principalmente, suas diretorias executivas, a fim de avaliar se existem oportunidades suficientes e eficazes à ascensão de minorias internamente. É imperiosa a criação de políticas que incentivem a contratação de mais mulheres e negros, bem como criem o ambiente propício à promoção de tais pessoas a cargos de liderança. Tratam-se de medidas que têm o condão de efetivamente criar impacto social positivo na comunidade de atuação de determinada empresa.

A implantação de referidas políticas de diversidade beneficiam não apenas a sociedade como um todo, mas também as próprias empresas. Não são poucos os estudos apontando que a existência de maior diversidade em organizações apresenta vantagem competitiva e traz ganhos financeiros, exatamente por propiciarem um ambiente heterogêneo, rico de debates, apto a pluralidade de ideias e capaz de melhor compreender o consumidor plural atual. Segundo o relatório Delivering through diversity, elaborado pela McKinsey em 2018, as empresas mais bem classificadas em termos de diversidade em sua diretoria executiva tendem a apresentar desempenho financeiro 35% superior ao desempenho médio da indústria.

Se é o mercado quem dita as regras do jogo, as empresas são chamadas a, de forma autorregulatória e independentemente de determinação estatal, comprometerem-se e contribuir com a geração de efetivos impactos positivos na comunidade. Para tanto, o movimento Black Lives Matter precisará sair das ruas e chegar ao topo das organizações, ao centro de decisões. Quando negros, mulheres e outras minorias ocuparem espaços de poder, quando integrarem em proporção equilibrada as diretorias executivas das empresas, então teremos uma sociedade verdadeiramente mais justa, igualitária e tolerante às diferenças.

Autores

  • é sócia do Lobão Torres & Campos Machado Advogados Associados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. é advogada, mestre em Direito Civil pela USP e MBA em Business Administration pela FGV-SP. Membro fundador da Abradep.

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