Opinião

O tribunal do júri é, antes de tudo, presença

Autores

  • Thaise Mattar Assad

    é advogada criminalista mestranda em Ciências Criminais pela PUC-RS e em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa vice-presidente da Apacrimi-Abracrim/PR vice-presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais da OAB-PR e membro da comissão da advocacia criminal da OAB-PR.

  • Ana Beatriz Gomes

    é advogada criminalista e mestranda em Direito Penal pela UFMG.

6 de agosto de 2020, 12h14

Em junho do ano passado, a ConJur noticiou que, em Nova York, o tribunal do júri absolveu Thomas Cordero, um acusado de matar outro homem com uma faca de cozinha, por, em tese, tê-lo assediado sexualmente. Isso ocorreu mesmo após a polícia apresentar provas de DNA e sua confissão. A absolvição teria se dado em razão de uma técnica que os advogados vêm usando no júri, chamada nerd defense — a defesa baseada na apresentação do réu como um intelectual, que usa óculos e se veste sobriamente [1].

Segundo a matéria, existe uma teoria de que muitos acusados são absolvidos, apesar das provas apresentadas, pois os jurados, ao enxergarem um homem de óculos, com uma aparência de nerd, indefeso e inteligente, podem concluir com maior facilidade pela incapacidade deste de cometer um homicídio.

Não pelo uso exclusivo da técnica acima narrada, mas a defesa, em plenário, explora a presença. Pela obrigatoriedade da presença física dos advogados, pode-se construir possibilidades para se consubstanciar a plenitude de defesa em todas as suas variantes possíveis. Assim, com a união entre a defesa técnica e a autodefesa do acusado, pode-se exercer o contraditório e alcançar a provocação de uma percepção favorável aos jurados.

Ou seja, os ingredientes que compõem o "atuar em plenário" revelam que a essência da defesa também está no direito do réu de se fazer presente em seu próprio julgamento perante o Conselho de Sentença.

O procedimento especial a ser seguido, salvaguardado em nossa Constituição Federal e assegurado em nosso Código de Processo Penal, traz "detalhes" que, em verdade, além de se constituírem como forma e, consequentemente, como garantia, se constituem como elementos basilares de um Estado democrático de Direito pautado na finalidade que o processo penal detém de limitar o poder estatal[ 2].

Em artigo denominado "The Juror as Audience: The Impact of Non-Verbal Communication at Trial", escrito pela advogada americana Janet Hoffman, são apontados os impactos da linguagem não verbal no resultado de um julgamento em plenário. Segundo a autora, embora os jurados prometam decidir conforme a prova dos autos e com imparcialidade, existem uma série de determinantes externas que influenciam no veredicto, dentre elas, está a imagem do acusado [3].

O retrato que é pintado a todo tempo na tela do Plenário é tão importante e determinante para o resultado de um julgamento, que o Supremo tribunal Federal precisou editar a Súmula Vinculante nº 11 para tornar regra a proibição do uso de algemas nos acusados, salvo situações excepcionais, com a finalidade de ver preservada a presunção de inocência.

Os sentidos, em especial, o visual, possuem fator determinante na tomada da decisão. Inclusive, por ser o Conselho de Sentença composto por não juízes (juízes de fato), fatores sensoriais podem se sobrepor à própria racionalidade na valoração das provas. Tanto é verdade que, ao dissertar sobre a arte do júri, Ezilda Melo afirma que "cada personagem, antes de ter uma atuação jurídica, tem uma atuação existencial e, em consequência de suas emoções, provoca alguma transformação no mundo" [4]. Sendo que, no mesmo sentido, temos a afirmação de Jean-Paul Sartre de que "a emoção é uma transformação do mundo" [5].

A própria lei penal estabelece aos sete jurados a tomada de uma decisão imparcial, de acordo com suas consciências e os ditames da justiça. Nota-se que o "juramento" inscrito no artigo 472 do CPP não impõe ao conselho fazer um exame minucioso do processo e das provas, muito menos traduz imparcialidade como sinônimo de análise técnico/jurídica.

O voto movido pelo sentimento de benevolência/clemência, que absolve mesmo reconhecendo a autoria, está inclinado a não ser questionável em recurso de apelação da acusação, a depender da decisão do Supremo tribunal Federal no Tema 1087 de Repercussão Geral no ARE 1.225.185, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. Esta é uma maneira de se reconhecer que são imensuráveis os valores considerados na opção pelo "sim" ou pelo "não", e podem estar afastados completamente da racionalidade.

Toda a simbiose presente na arte envolvida no tribunal do júri tem uma razão lógica de ser. A presença dos atores processuais é requisito inicial para o atingimento de uma pretensão de justiça. Só se pode falar em ampla defesa quando se tem garantido o devido processo legal, que é o que a instrumentaliza. O direito de defesa é pilar de sustentação fundamental do Estado democrático de Direito, cuja conquista é fruto de duras lutas. Dos benefícios testados e atestados em séculos de história não se pode abrir mão [6].

Não se pretendeu aqui tecer considerações técnicas a respeito da proposta em pauta de julgamento pelo CNJ, que visa a otimizar julgamentos pelo plenário do júri no cenário pandêmico. A ideia foi de explanar sucintamente sobre a presença dos atores processuais em plenário como requisito existencial do Direito e da plenitude de defesa.

 


[1] MELO, João Ozório de. Caso nos EUA reaviva discussão sobre jurados tenderem a absolver réu de óculos. (https://www.conjur.com.br/2019-jun-08/eua-reaviva-discussao-juri-gostar-reu-oculos). Acesso em: 1º/8/2020.

[2] MINAGÉ, Thiago M. Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. 5ª Edição, Florianópolis. Editora Tirant Lo Blanch. 2019.

[3] HOFFMAN, Janet. The Juror as Audience: The Impact of Non-Verbal Communication at Trial. Disponível em: (https://jhoffman.com/publications/juror-audience-impact-non-verbal-communication-trial/). Acesso em: 27/7/2020.

[4] MELO, Ezilda. tribunal do júri: arte, emoção e caos. Florianópolis: Empório do Direito, 2016, p.126/127.

[5] SATRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 63.

[6] A inviolabilidade do direito de defesa. Cezar Britto e Marcus Vinícius Furtado Coêlho. 3ª edição. – Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 11.

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    é advogada criminalista, mestranda em Ciências Criminais pela PUC-RS e em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa, vice-presidente da Apacrimi-Abracrim/PR, vice-presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais da OAB-PR e membro da comissão da advocacia criminal da OAB-PR.

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