Estúdio Conjur

'Fakenal' e o oportunismo eleitoral, a lei 'anticrime' e a legítima defesa da vítima

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5 de agosto de 2020, 11h01

De princípio, importaria saber, e para isso precisaríamos recorrer aos autores midiáticos, para que nos ajudem a identificar em nosso Código Penal a existência de uma lei pró-crime, favorável a este ou que o incentive, para que assim haja a necessidade de trazermos à luz a sua antítese, a pomposa lei "anticrime".

Spacca
Nesses dias, me parece, faz-se preciso ser como Diógenes — traga consigo a sua lanterna e inicie a sua busca —, mas não se desencante ao descobrir que os fabulosos discursos terminam sozinhos, como um mágico sem plateia iludindo a si mesmo.

Muito alardeada na comunidade jurídica, posta em campo com batalha no Congresso Nacional, muito discutida em toda a comunidade, principalmente quanto à excludente destinada a agentes de segurança — pauta esta que ganhou os palanques nas eleições de 2018 — trazida ao mundo jurídico, verifica-se o que de fato é explicito, a montanha pariu um rato.

Exitus acta probat, diria Ovídio [1], e realmente, após todo alvoroço e pressão, o que vimos com a redação da Lei nº Lei nº 13.964/19, é que realmente, nada mudou. A grande bandeira de excludente de ilicitude aos agentes de segurança, algo do tipo "a polícia vai atirar na cabecinha", ficou apenas contida na retórica e guardada ao populismo eleitoreiro, ao fritar dos ovos, manteve-se a razão [2].

O artigo 25 do Código Penal, que traz as hipóteses de legitima defesa tão bem manuseado por nós penalistas que atuamos em tribunal do júri —, foi acrescido de um parágrafo único, que assim diz, "observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes".

O artigo 25 do Código Penal ganhou sua nova redação, incluindo os agentes de segurança pública em seu texto, que já dizia: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

Como se verifica facilmente no artigo 25 do Código Penal, o legislador utilizando o pronome "quem", já havia estendido a prática de repelir injusta agressão atual ou iminente a direito pessoal ou de outrem a todos os seres humanos, inclusive aos agentes de segurança, que independente da função que exerçam não deixam de serem classificados entre as espécies do homo sapiens. Existiria o porquê de se imaginar que os agentes de segurança não estariam amparados pela excludente de ilicitude? É óbvio que não!

É certo que o artigo 25 do Código Penal é composto de diversos elementos normativos que exigem juízo de valor, pois, o que seria "injusta agressão", mas todavia a percepção de que o pronome "quem" se dedica a destinar a conduta ao ser humano, isso obviamente, não encontrava nenhuma discordância na doutrina, ou pelo que eu saiba nunca foi questionado por nenhum tribunal, todos sabiam eu acreditava tolamente que os agentes de segurança também estariam incluídos em "quem".

Parafraseando Guilherme Pinto, que nos alerta quanto à necessidade de que "o óbvio também precisa ser dito", é difícil entender a real e prática necessidade de se acrescentar ao artigo 25 do Código Penal, algo que já lá estava há anos, latente, brilhando para todos verem, mas que ganhou uma conotação de salva guarda dos já salvos. Levaram o Direito Penal de vez para a política, e agora foi de mala e cuia. Passamos de vez a discutir em campanhas eleitorais a defesa de categorias já protegidas, criando-se tipos penais desnecessários apenas para fomentar o debate social sobre um problema que não existe, para que após muito barulho apresente-se uma solução idêntica à que já existia, porém, obviamente, em um parágrafo novo, cheirando a tinta.

Adentramos de vez ao "fakenal", o fake do Direito Penal, que precisa apenas de muita mídia deturpada, umas pitadas de desinformação, alguns vídeos intrigantes com os especialistas de WhatsApp, e muito oportunismo eleitoral. Assim, vamos inchando nossos códigos com toda sorte de pautas pouco produtivas, dizendo o que já foi dito e fazendo o que já foi feito certamente alcançaremos o que já foi alcançado. Fica assim, a proposta de buscarmos reformas penais mais técnicas e que preparem o direito penal aos novos desafios do mundo moderno, abandonando-se o populismo e a politização do Direito Penal certamente iremos evoluir como sociedade.

Aos que ainda estão curiosos se teria um certo juiz agido com oportunismo eleitoral nas suas decisões, digo: é impossível que saibam o que é a lei "anticrime"! É impossível entender a excludente de ilicitude aos já excluídos! A não ser que seus autores nos expliquem. Seria uma lei Humpty Dumpty? É isso mesmo? Estamos vivendo o tempo em que as palavras significam aquilo que se quer que signifiquem? Se estamos vivendo estes dias, maravilha, glória para vocês [3]!

 


[1] Mark P. O. Morford, Robert J. Lenardon, Classical Mythology(Oxford University Press US, 1999), p. 25. ISBN 978-0-19-514338-6

[2] Veja. Wilson Witzel: "A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo". Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/. Acessado em: 28/7/2020.

[3] "Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou por lá". Lewis Carroll. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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