Opinião

Justiça Penal negociada: o 'novo' acordo de não persecução penal

Autor

  • Pedro Monteiro

    é advogado sócio do escritório Araujo & Sandini Advogados Associados e secretário da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB/SC.

5 de agosto de 2020, 19h25

O acordo de não persecução penal nada mais é que uma espécie de medida despenalizadora, apresentando-se em uma ampliação da chamada justiça negociada no Processo Penal, acompanhado de institutos já previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, ambas dispostas na Lei 9.099/95, além da colaboração premiada, prevista na Lei 12.850/13.

Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) publicou a Resolução 181/2017, sendo que sem dúvida a mudança que mais chamou a atenção foi a previsão da possibilidade do Ministério Público celebrar acordo de não persecução penal, conforme previsão em seu artigo 18, vejamos: 'Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, quando, cominada pena mínima inferior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática".

O detalhe é que por mais que seja interessante o investigado não ser processado mediante o cumprimento de alguns requisitos por meio do instituto da não persecução penal, percebe-se que a referida resolução feriu gravemente a Constituição Federal, pois o que o CNMP acabou realizando foi legislar em matéria processual penal, o que é de competência privativa da União, conforme expressamente previsto no artigo 22, I, da Constituição.

Diante desse cenário, foram propostas pela Associação de Magistrados Brasileiros e pela Ordem dos Advogados do Brasil duas ações diretas de inconstitucionalidade (nºs 5790 e 5793).

Assim, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5790 argumentava-se que a resolução do CNMP invadia a competência legislativa, inovando em matéria processual penal e, por conseguinte, violando direitos e garantias individuais do investigado, ou seja, possuía vício de inconstitucionalidade, com dispositivos que afrontavam as competências dos órgãos responsáveis pela investigação.

Já na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5793, que na época foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, levantou-se que a resolução do CNMP ofendia o princípio da reserva legal e da segurança jurídica, extrapolando o poder regulamentar do Conselho Federal do Ministério Público, sob clara afronta ao que prevê a Constituição Federal.

Em 2019, após muita discussão, sendo a Resolução 181/2017 do CNMP alvo de diversas e fortes críticas por meio das ADIs supracitadas, com a promulgação da Lei nº 13.964/2019 (pacote "anticrime"), regularizou-se o acordo de não persecução penal e flexibilizou-se o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ampliando as hipóteses em que fosse viabilizado ao investigado celebrar acordo com o Ministério Público, amenizando os antigos debates sobre a (i)legalidade do acordo de não-persecução penal. Grande vitória para o ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, para a ampliação da justiça penal negociada.

Sintetizando melhor o conceito de não-persecução penal proposto no início do presente artigo, Rogério Sanches Cunha [1]: "Ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado".

A disposição trazida no artigo 28-A, da Lei nº 13.964/2019 (pacote "anticrime"), inserido agora no Código de Processo Penal, trouxe todos os requisitos para se propor o acordo de não persecução penal, conforme observa-se:

"a) Não ser o agente reincidente;

b) Não seja cabível a transação;

c) Não seja caso de arquivamento da investigação;

d) O agente confesse o crime;

e) Não seja crime de violência doméstica;

f) A pena em abstrato seja inferior a 4 anos;

g) Não ter sido beneficiado nos últimos 5 anos com o acordo de não persecução penal, transação ou suspensão condicional do processo.

h) Não seja crime praticado com violência ou grave ameaça contra pessoa;

 i) O agente não possua antecedentes que denotem conduta criminosa habitual".

"O ordenamento jurídico brasileiro já está familiarizado com institutos de Justiça penal consensual como a transação penal, para delitos de pequeno potencial ofensivo, e colaboração premiada, para crimes graves que podem envolver organizações criminosas. No entanto, faltava um instituto consensual para crimes de médio potencial ofensivo. Essa lacuna foi suprida com o acordo de não persecução penal (ANPP); mas, pela primeira vez, o substrato normativo para a celebração do ajuste é um ato normativo infralegal" [2].

É notório que o acordo de não persecução penal, juntando-se aos demais institutos já presentes em nosso ordenamento jurídico, como colaboração premiada, suspensão condicional do processo e transação penal, passa a integrar o sistema de justiça negociada de forma efetiva e taxativa para fins de estratégias defensivas no ordenamento jurídico brasileiro.

"Reputamos que inexiste óbice legal para sua imediata implementação pelo Ministério Público, Poder Judiciário, Defensores Públicos e Advogados, pois nada mais é do que a substituição da ferramenta do processo penal pela ferramenta do Direito Penal Negocial, com benefícios para todos os envolvidos. Ao acusado é dado o benefício da redução de pena pela confissão, bem como um desfecho ágil e efetivo para o delito que praticou. A vítima é poupada da necessidade de nova oitiva perante a autoridade judiciária que, por si só, é fonte de traumas e violência (vitimização secundária). Ao Estado são otimizados os recursos existentes com gestão eficiente da administração da Justiça" [3].

Em que pese pareça simples, o instrumento do acordo de não persecução penal resultou em uma profunda alteração no processo penal, o que demonstra cada vez mais a importância de os profissionais (advogados, magistrados ou Ministério Público) aprimorarem o estudo do referido instrumento e, aos resistentes, ceder e entender que vivemos novos tempos jurídicos e que a justiça negocial chegou para ficar.

Como muito bem sintetiza a advogada e colega Luísa Walter da Rosa [4]: "O bom operador, seja ele advogado ou representante do MP, precisa dominar técnicas de investigação, negociação, conhecer a fundo as regras atinentes aos negócios jurídicos e ao direito contratual (ramos tradicionalmente do Direito Civil), e estar alinhado às novas tecnologias, como a inteligência artificial. É aqui também que se consolida a importância de não só conhecer, como também, saber fazer investigação defensiva, constante no Provimento n. 188/18 do Conselho Federal da OAB".

Portanto, resta claramente evidente, após breves apontamentos realizados no presente artigo, bem como também torna-se indiscutível que o acordo de não persecução penal, apesar de eventuais entendimentos em sentido contrário, é, sim, compatível com a vigente ordem constitucional e também já faz parte da nova era do ordenamento jurídico brasileiro: a Justiça Penal negociada.

 

[1] CUNHA, Rogerio Sanches. Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CPP, CPP e LEP. Salvador: ed. Juspodvm, 2020. Pag. 127.

[2] https://www.conjur.com.br/2018-nov-30/hermes-morais-acordo-nao-persecucao-penal-constitucional. Acesso em: 28 de julho de 2020

[3] https://www.conjur.com.br/2020-mar-16/mp-debate-acordo-nao-persecucao-direito-penal-segunda-velocidade. Acesso em: 28 de julho de 2020

[4] https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/803743872/negociando-no-processo-penal-apos-a-lei-anticrime-acordo-de-nao-persecucao-penal. Acesso em: 28 de julho de 2020

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    é sócio do escritório Araujo & Sandini Advogados Associados, advogado criminalista, especializando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), especializando em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Prisionais da 30ª Subseção da OAB-SC.

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