Opinião

Os reis, os parlamentos e a evolução democrática à luz da separação de poderes

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5 de agosto de 2020, 14h17

Embora na Carta de Liberdades de Henrique I, de 1100, já houvesse alguma limitação do poder real, considera-se a "Magna Charta Libertatum", ou simplesmente Magna Carta, de 1215, como sendo o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo e do princípio da separação de poderes, base fundamental do Estado democrático de Direito.

Exemplo claro de desrespeito ao princípio da separação de poderes e à independência do Parlamento ocorreu em 1642, com a frustrada tentativa de Carlos I de restaurar o absolutismo, ordenando ao Parlamento inglês que lhe entregasse cinco membros dos comuns e um dos lordes, sob acusação de alta traição.

Quando o parlamento se recusou, o rei se decidiu a prendê-los pessoalmente. Os parlamentares fugiram de barco pouco antes da sua chegada à Câmara dos Comuns.

Nenhum soberano jamais havia entrado na Câmara dos Comuns e a invasão do rei, sem precedentes, para prender membros do Parlamento foi considerada uma grave quebra do privilégio parlamentar, originando a Guerra Civil Inglesa, com a posterior deposição e decapitação do rei, em 1649. Mesmo transcorridos tantos anos do episódio, ainda hoje há limitações à entrada da rainha no Parlamento inglês.

A Independência Americana, em 1776, e, posteriormente, a Revolução Francesa, em 1789, inspirada nas ideias de Monstesquieu, amplificaram a separação de poderes e o constitucionalismo, com a plena independência dos Parlamentos dos demais poderes, em prol de um Estado democrático de Direito e do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.

Na Europa continental, o ataque ao Parlamento, que resultou nas chamas que em 1933 queimaram o Reichstag, incendiou também a frágil democracia alemã, e Hitler soube usar o ataque para ampliar e consolidar seu poder, instituindo uma das mais sangrentas ditaduras da história.

Ciente dessa evolução histórica, e dando concretude ao princípio da separação de poderes, a Lei Fundamental Alemã estabeleceu, em seu artigo 40, 2: "O presidente exerce o poder de gestão e de polícia nos recintos do Parlamento Federal. Sem a sua autorização, nenhuma busca ou apreensão poderá ser efetuada nas dependências do Parlamento Federal".

Na atual quadra brasileira, como bem lembrou o ministro Dias Toffoli ao decidir nos autos da Reclamação nº 42.355/DF, o Supremo Tribunal Federal, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares previstas na Constituição, entendeu que tais prerrogativas visam a "conferir condições materiais ao exercício independente de mandatos eletivos. Funcionam, dessa maneira, como instrumento de proteção da autonomia da atuação dos mandatários que representam a sociedade". (Rcl nº 25.537, Tribunal Pleno, relator o ministro Edson Fachin, DJe 11/3/20).

Os antigos poderes reais encontram-se hoje distribuídos pelos funcionários do Estado, sendo claro que os poderes de investigar delitos são tipicamente executivos e encontram-se ordinariamente atribuídos aos órgãos de persecução penal, que conduzem as investigações policiais.

Em se tratando de autoridades parlamentares ou judiciais, em que vigora o foro por prerrogativa de função, os inquéritos são conduzidos por autoridades judiciárias, mas em clara função executiva anômala de coleta de indícios, e não como atividade judicial propriamente dita.

Parece-nos ser decorrência direta do princípio da separação de poderes, embora sem dispositivo claro e expresso sobre o tema, na nossa Constituição, como o tem a Lei Fundamental Alemã, que ordens judiciais, no âmbito do Parlamento, somente podem ser cumpridas pela Polícia Legislativa, e desde que autorizadas pelo presidente da casa legislativa respectiva.

Pensar de outra maneira seria ignorar a evolução histórica do princípio da separação de poderes e claramente aviltar a função do parlamento em uma democracia.

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