Opinião

Nova resolução representa luz no fim do túnel na questão da iluminação pública

Autores

  • Marco Gasparetti

    é advogados especialista em conflitos no setor elétrico e integrante do escritório FKG – Forbes Kozan e Gasparetti Advogados.

  • Manuela Capp

    é advogada especialista em conflitos no setor elétrico e integrante do escritório FKG – Forbes Kozan e Gasparetti Advogados.

  • Nayara Ribeiro

    é advogada especialista em conflitos no setor elétrico e integrante do escritório FKG – Forbes Kozan e Gasparetti Advogados.

5 de agosto de 2020, 6h36

Mesmo em meio à turbulência que a pandemia de Covid-19 trouxe ao setor elétrico (com redução expressiva de consumo por conta da parada de muitas atividades industriais, litígios entre agentes de comercialização e consumidores livres, paralisação de obras de infraestrutura em razão da restrição à circulação de pessoas), a Aneel recentemente editou resolução normativa tratando de uma questão muito relevante para a sociedade e fonte de inúmeros conflitos entre concessionárias de distribuição de energia elétrica e municípios: a regulamentação do fornecimento de energia elétrica para o serviço público de iluminação pública.

Desde janeiro de 2019, a Aneel, juntamente com as distribuidoras e demais interessados, vem ativamente buscando soluções para aprimorar a regulamentação do fornecimento de energia elétrica para o serviço de iluminação pública. Após intensos debates e movimentações, seguidos da Consulta Pública nº 12/2020, que contou com contribuições de 40 participantes — entre eles distribuidoras e municípios, a Aneel, finalmente, editou a Resolução Normativa nº 888/2020, com vigência a partir desta segunda-feira (3/8).

Tal resolução adiciona novo capítulo à Resolução Normativa nº 414/2010 (o Capítulo II-A), trazendo em seu texto aprimoramentos às disposições relacionadas ao fornecimento de energia elétrica para o serviço público de iluminação pública, trazendo avanços significativos para a normatização da matéria.

O novo capítulo da resolução foi dividido em seis seções: I) Seção I — Disposições Gerais; II) Seção II — Da Conexão das Instalações; III) Seção III — Do Cadastro dos Pontos de Iluminação Pública; IV) Seção IV — Da Medição e Faturamento; V) Seção V — Dos Contratos; e VI) Seção VI — Da Arrecadação da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública.

Em termos práticos, entre as modificações trazidas pela resolução Normativa nº 888/2020, merecem ser destacadas as seguintes alterações:

— Iluminação de via interna de condomínio está sujeita às regras de iluminação pública
O artigo 53-O, §1º, III, da Resolução Normativa nº 414/2010 excluía do rol de iluminação pública a iluminação de vias internas de condomínios. Já a Resolução Normativa nº 888/2020, apesar não revogar o referido dispositivo, traz expresso, em seu artigo 20-A, II, que as disposições do capítulo se aplicam também à iluminação de vias internas de condomínios, sujeitando estes à observância das regras descritas na resolução. 

— Acordo operativo substituído por norma técnica
O acordo operativo, até então celebrado entre municípios e distribuidoras foi substituído por norma técnica a ser editada pelas distribuidoras, a qual deverá dispor sobre os padrões técnicos e materiais aplicáveis na conexão da iluminação pública à rede de distribuição de energia elétrica, conforme disciplinado no artigo 21-A, §4º, da Resolução Normativa nº 888/2020. 

As distribuidoras deverão, até 13 de outubro de 2020, notificar os municípios e o Distrito Federal informando que o atual acordo operativo será substituído por norma técnica, que deverá ser editada a próxima sexta-feira (7/8).

— Vedação à sublocação e subcompartilhamento da infraestrutura de propriedade da distribuidora
A nova resolução veda às distribuidoras a cobrança, de qualquer espécie, pela ocupação de postes e torres de sua propriedade, inclusive para serviços acessórios, como por exemplo, aqueles associados à telegestão. De igual modo, é vedado ao poder público municipal ou distrital a sublocação ou subcompartilhamento da infraestrutura de propriedade da distribuidora ou de sua utilização para fins não relacionados ao serviço de iluminação pública, exceto se houver a prévia anuência da distribuidora.

— Manutenção preventiva ou corretiva e operação do sistema de iluminação pública independem de aprovação prévia
O artigo 21-C da Resolução Normativa nº 888/2020 estabeleceu que não dependerá de apresentação, de aprovação prévia de projeto ou de autorização da distribuidora: I) a redução da carga instalada, inclusive nos casos de alteração das demais características do ponto de iluminação pública; II) a manutenção preventiva ou corretiva no sistema de iluminação pública; III) a ampliação da carga instalada até o valor limite previsto na norma técnica a ser editada pelas distribuidoras; bem como IV) as obras e intervenções, desde que em caráter de urgência ou emergência.

— Informações relativas aos pontos de iluminação pública devem ser mantidas pelas distribuidoras
A partir de 7 de julho de 2022, as distribuidoras deverão manter, em seu sistema de informação geográfica, o cadastro atualizado dos pontos de iluminação pública, de modo a compor a Base de Dados Geográfica da Distribuidora (BDGD) e o Sistema de Informação Geográfica Regulatório (SIG-R). Em contrapartida, compete ao poder público municipal ou distrital encaminhar às distribuidoras, em até 30 dias da execução, informações acerca das novas instalações e intervenções realizadas nos circuitos.

— Obrigatoriedade de instalação de equipamentos de medição pelas distribuidoras
Passa ser obrigatória para as distribuidoras a instalação de equipamentos de medição nas instalações de iluminação pública, que possuam fornecimento efetuado a partir de circuito exclusivo, desde que tal circuito possua consumo estimado superior ao custo de disponibilidade de: I) 30 kWh, se monofásico ou bifásico a dois condutores; II) 50 kWh, se bifásico a três condutores; ou III) 100 kWh, se trifásico.

— Apuração do consumo mensal deve levar em consideração informações repassadas pelo poder público
As distribuidoras devem utilizar as informações provenientes do sistema de gestão de iluminação pública do poder público municipal ou distrital para apurar o consumo mensal dos pontos de iluminação pública sem medição, sendo facultada às distribuidoras a instalação de medição fiscalizadora para comparação com as informações obtidas do sistema de gestão de iluminação pública.

— Pontos de iluminação pública sem medição devem ser agregados e considerados como uma única unidade consumidora
A partir de 4 de janeiro de 2021, eventuais pontos de iluminação pública sem medição deverão ser considerados, pelas distribuidoras, como uma única unidade consumidora, para fins de apuração do consumo de energia elétrica, emissão de fatura, cobrança, pagamento, apuração dos indicadores de continuidade e demais direitos e obrigações. A critério exclusivo do poder público municipal ou distrital poderá ser estabelecida uma unidade consumidora específica para os pontos de iluminação pública que fizerem parte do seu sistema de gestão de iluminação pública.

— Padronização dos contratos
Os termos contratuais que regerão as relações entre municípios ou Distrito Federal e as distribuidoras de energia elétrica deixarão de ser livremente pactuados, passando, a partir de 13 de outubro de 2020, a observar as mesmas disposições que os instrumentos celebrados pelas unidades consumidoras dos Grupos A e B, nos termos dos artigos 60 e seguintes da Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel.

Em se tratando do Grupo B, a norma estabelece que os contratos deverão obedecer o modelo do contrato de adesão constante do Anexo IV da resolução n° 888/2020. Em se tratando de Grupo A, as distribuidoras deverão celebrar com Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD) ou Contrato de Compra de Energia Regulada (CCER), a depender do caso. Ou seja, nesse novo formato, há a possibilidade de celebração de contrato diretamente pelas concessionárias de iluminação pública, com a alteração de titularidade da unidade consumidora do poder público.

— Contribuição para o Custeio do Serviço Público de Iluminação Pública (Cosip)
Refletindo o disposto na Constituição Federal (artigo 149-A), a resolução estabelece que a Cosip será cobrada pelas distribuidoras nas faturas de energia elétrica. Importante ressaltar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal encerrou eventual dúvida sobre a legalidade da cobrança da Cosip na mesma fatura emitida para cobrança da energia elétrica, reconhecendo "a constitucionalidade da cobrança da contribuição para custeio do serviço de iluminação pública por meio do mesmo código de barras da fatura de energia elétrica" (RE n° 1.262.054/SP, Ministro LUIZ FUX, j. 6/4/2020).

De acordo com a nova resolução, a arrecadação do tributo deverá ser realizada pelas distribuidoras, sem custo adicional aos municípios ou Distrito Federal, sendo vedada eventual compensação de valores, pelas distribuidoras, entre valores arrecadados e valores devidos pelo poder público municipal ou distrital, exceto se houver disposição legal nesse sentido. No entanto, como regra de transição e até a data da homologação da próxima revisão tarifária, as distribuidoras estão autorizadas a cobrar o percentual máximo de 1% do total arrecadado ou o percentual atualmente praticado (o que for menor).

O tempo irá dizer se a nova normatização será capaz de eliminar os conflitos existentes ou se dará ensejo a novos, pois com os gastos com o fornecimento de energia para iluminação pública representam parcela expressiva do orçamento dos municípios e a inadimplência, em muitos casos, é a regra, dada a segurança quanto à continuidade do fornecimento por conta da essencialidade do serviço. A nova resolução, ao eliminar algumas das fontes de embate entre distribuidoras e município, representa uma luz no fim do túnel de uma relação conturbada e historicamente permeada por muitos desentendimentos.

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