Consultor Tributário

A saga do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

5 de agosto de 2020, 9h01

Spacca
No Projeto de Lei 3.887/2020, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços — CBS, decorrente da fusão das contribuições do PIS e da Cofins, apresentada pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, trouxe expressa referência à exclusão do ICMS destacado na nota fiscal da respectiva base de cálculo (artigo 7º, parágrafo único, inciso I, do referido Projeto de Lei[1]). Um indicativo de que o governo, ao elaborar o referido projeto de lei, atentou para o decidido pelo STF no RE-RG 574.706-PR. De fato, este assunto deveria ter sido objeto de lei expressa da União desde então, para confirmar a mudança legislativa superveniente e afastar novos passivos e ações judiciais.

Como se sabe, o Acórdão do RE-RG 574.706-PR, supostamente, não teria esclarecido todas as questões que afetam os contribuintes. Por isso, em 31 de outubro de 2017, foram opostos embargos de declaração pela União, em 19/10/2017, com questionamentos dos pontos que entendia de difícil aplicação.

Nos embargos, a União alega, resumidamente: (i) omissão quanto ao artigo 187 da Lei 6.404/76 e artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, com a redação dada pela Lei 12.973/14, por entender que estes dispositivos legais determinam a inclusão dos tributos sobre as vendas na receita bruta; (ii) contradição entre o RE-RG 574.706-PR e os Acórdãos do RE 212.209-RS e 582.461-RG, que julgaram constitucional a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo; (iii) obscuridade na quantificação do ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições, se o “ICMS destacado na nota”, ou o “ICMS recolhido”; e, por fim, (iv) requereu a modulação para que a decisão somente produza efeitos ex nunc, ou seja, após o julgamento dos Embargos de Declaração.  

O STF ainda não analisou os Embargos de Declaração opostos. No entanto, a RFB antecipou-se ao próprio Tribunal e manifestou o seu entendimento sobre a restrição do crédito de PIS e da Cofins em relação ao ICMS pago ou devido, pela Solução de Consulta Interna Cosit 13, de 18/10/2018. Cabe-nos, assim, verificar se, diante da legislação aplicável, há fundamento jurídico nesse entendimento da RFB.   

Diante dos impactos jurídicos relevantes, o STF daria importante contribuição às empresas com o rápido julgamento dos Embargos de Declaração, para esclarecer o critério para exclusão do ICMS, sobre ser considerado o valor do ICMS destacado nas notas fiscais ou o valor do ICMS efetivamente recolhido pelo contribuinte.

O valor do IPI e do ICMS é destacado na nota-fiscal em cada operação, o que permite calcular o crédito destes impostos com facilidade[2]. Com efeito, a não cumulatividade do PIS e da Cofins, assegurada constitucionalmente, converge em uma sistemática de base contra base, tomando por referência as atividades de uma dada pessoa jurídica. Deste modo, do faturamento desta, poderão ser descontadas, sob a forma de créditos financeiros, algumas verbas expressa e exaustivamente selecionadas pelo legislador no art. 3º da Lei nº 10.637/2002, no art. 3º da Lei nº 10.833/2003 e no art. 15 da Lei nº 10.865/2004, formando-se, em termos jurídico-tributários, a grandeza presuntiva de capacidade contributiva sobre a qual serão aplicadas, enfim, as alíquotas das contribuições ao PIS e da Cofins.

Saber determinar o critério de apuração do crédito do ICMS, se o destacado ou o recolhido, sem dúvida, é uma questão que não surgiu quando do julgamento do RE-RG nº 574.706/PR. E os motivos são bem óbvios. Deveras, os ministros certamente não tinham qualquer dúvida quanto ao ICMS destacado, pois este é o único critério adotado pelo art. 13, § 1º, I da Lei Complementar nº 87/96 (ao dizer que o destaque em nota tem a função de indicação para fins de controle).

Ao cumprir a sua função explicitadora da base de cálculo do ICMS, o legislador complementar não deixou dúvidas de que é o “valor da operação”, no caso, de venda de determinada mercadoria. Nesse sentido, é a lição de José Eduardo Soares de Melo:

No caso específico do ICMS, a base de cálculo deve representar a quantificação compreendida na ‘operação mercantil’, e na ‘prestação de serviços de transporte interestadual/intermunicipal, e de comunicação’, ou seja, ‘o preço das mercadorias e dos serviços’, respectivamente.

Relativamente às operações com ‘mercadorias’, aplicam-se as regras estabelecidas no DL-406/68 (art. 2º, incisos I, II e III e seus parágrafos) tendo a Lei Complementar nº 87/96 estabelecido o valor da operação (art. 13, I), na saída de mercadoria do estabelecimento, na transmissão de mercadorias depositadas em armazém/depósito fechado, e na transmissão de sua propriedade.[3] (grifos nossos)

Exige-se, portanto, que o ICMS seja calculado sobre o valor da operação da qual decorre a saída da mercadoria. Nesse sentido, o art. 13, I, da LC nº 87/96, determina, ainda, a inclusão do montante do próprio imposto na sua base de cálculo. A saber:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (…)
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle; (…)” (grifos nossos)

Só há, portanto, incidência de um único ICMS na operação de circulação de mercadorias, que é o destacado na nota, uma vez que o ICMS pago na operação anterior, pelo fornecedor, também integrará a base de cálculo do ICMS devido na operação subsequente. A menção ao destaque como forma de controle, como explicitado pelo art. 13, § 1º, I, da Lei Complementar nº 87/96, não altera o fato de que o ICMS destacado está inserido no preço e, por isso, o adquirente da mercadoria “compra” o crédito do ICMS.

A Lei Complementar nº 87/96, no seu artigo 23, condiciona o direito ao crédito à idoneidade da documentação, escrituração nos prazos e condições da legislação. Só há um ICMS devido na operação, que é o destacado na nota fiscal.

O “ICMS devido” não passa de uma ficção que não guarda relação com o fato gerador do ICMS e sua base de cálculo, pois o contribuinte pode, em razão de sua operação, acumular créditos de ICMS e não ter débitos suficientes para utilizar todos os créditos. E o artigo 24, inciso III, da LC nº 87 expressamente permite que “se o montante dos créditos superar os dos débitos, a diferença será transportada para o período seguinte.”.

Por amor à segurança jurídica, a quantificação do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins deve ser feita por um critério jurídico certo, uniforme, dotado de normalidade e que propicie a isonomia que a situação reclama. Por isso, somente o “ICMS destacado” pode ser assumido como medida segura para a referida exclusão, nos termos do art. 13, § 1º, I, da Lei Complementar nº 87/96. O valor do ICMS efetivamente recolhido não possui estes atributos, na medida que é influenciado pelo acúmulo de créditos ao longo da cadeia.


[1] Art. 7º A base de cálculo da CBS é o valor da receita bruta auferida em cada operação. Parágrafo único. Não integra a base de cálculo da CBS o valor: I – do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS destacado no documento fiscal; (…)

[2] FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade tributária. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 322.

[3] MELO, José Eduardo Soares de Melo. ICMS: Teoria e Prática. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1996, p. 125.

Autores

  • é advogado, professor titular de Direito Financeiro e livre-docente de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Foi vice-presidente da International Fiscal Association (IFA).

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