Opinião

O ativismo nos honorários sucumbenciais — ninguém se acerta!

Autor

  • Demétrio Beck da Silva Giannakos

    é advogado professor da Faculdade de Direito da Uniritter mestre e doutorando em Direito pela Unisinos sócio do escritório Giannakos Advogados Associados membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-RS e associado do Ibradim e da Agadie.

4 de agosto de 2020, 9h00

Spacca
Parece que nem existem dispositivos processuais mandando dar coerência e integridade na jurisprudência no Brasil. Nunca se sabe como será a próxima decisão.

Com efeito, a temática dos honorários sucumbenciais não é nova. Por exemplo, o STJ já fixou onze entendimentos sobre a matéria, conforme notícia veiculada em 02/07/2019 pela ConJur1. Bom, se tem de ter no mínimo onze teses, isso apenas mostra a fragilidade de nosso "sistema" (que não é sistema) de precedentes.

O Tribunal de Justiça do Paraná, em caso específico, reduziu a verba sucumbencial de 15% para 0,44% do valor da causa, sob o fundamento de que "a causa é de baixa complexidade"2. Os honorários sucumbenciais foram de R$ 39,8 mil (15%) para R$ 1.200,00 (0,44%). O próprio STJ, no AgInt no AREsp 987.886/SP também adotou este parâmetro subjetivo da "baixa complexidade", reduzindo os honorários sucumbenciais dos procuradores.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, possui entendimentos diversos: a 25ª Câmara Cível mantém a aplicação do artigo 85, do CPC prevista em lei3, porém a 24ª Câmara Cível possui entendimento contrário, reduzindo a verba honorária sucumbencial quando a causa for de "baixa complexidade"4. Porém, no entender dos autores, o conceito de "baixa complexidade" é subjetivo e apela diretamente para um critério moral e não jurídico. O que pode ser de baixa complexidade para os autores pode não ser para o leitor. Neste casos, qual conceito será utilizado?

No último dia 30/07/2020, tivemos mais um capítulo para o debate5: juiz da Comarca de São Paulo, ao rejeitar embargos de declaração opostos pela parte demandada na ação, foi além. Afirmou, de forma categórica, a inconstitucionalidade dos honorários sucumbenciais.

Em seu fundamento, afirmou o seguinte: "Se o advogado pretende haver para si essa verba haverá de contratar com o cliente a titularidade desse direito ou a obter mediante cessão. Se assim não for, o patrono será remunerado duplamente, isto é, receberá honorários de seu cliente e, também, da parte vencida – fato que representa enriquecimento sem causa, repudiado pelo direito, na medida em que impõe indevida lesão ao assistido que arcou com a remuneração de seu advogado e está impedido de promover o ressarcimento de seu patrimônio, pois o vencido haverá de alegar que já indenizou o patrono do vencedor ao lhe pagar os ‘honorários’. Mesmo que assim não fosse, inevitável ser da parte o direito de livremente deliberar sobre o montante que pagará ao seu patrono, sem que isso importe em submissão do vencido ao exagero ou à liberalidade da parte contrária. Bem por isso, o legislador estabeleceu os limites que representam a justa recomposição do patrimônio do vencedor, pois o excedente corre por conta da referida liberdade de contratar."

De forma objetiva, o juízo entendeu que o causídico, já tendo seus honorários pactuados para com o seu cliente, não poderia ser novamente remunerado pela parte vencida do processo, sob pena de enriquecimento ilícito. Em seus fundamentos, afirma serem inválidos os artigos 22 e 23 da Lei 8.906/94 (Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)) e o art. 85, do Código de Processo Civil.

Em decorrência de tal decisão, o procurador da parte demandada na ação encaminhou representação à Comissão de Prerrogativas da OAB-SP para conhecimento.

Ao fim e ao cabo, tal sentença proferida é exemplo do velho ativismo judicial combatido já combatido pelos autores67 e pelo próprio professor Lenio Streck em outros tantos artigos publicados na ConJur. A pergunta do momento é a seguinte: de que forma o juiz pode se negar a aplicar a lei (sem que o dispositivo legal tenha sido declarado inconstitucional)?

No caso concreto, o que se apresenta é a vontade do juiz em não aplicar a lei. Nessa busca por fundamentos contra legem opta por conceitos indeterminados para fundamental sua aplicação contrária ao dispositivo legal. Este é o típico caso previsto no art. 489, §1º, inciso II, do CPC. Este é o ponto.

O ativismo judicial ocorre quando a razão (o Direito) é superada pela vontade, isto é, a relação entre lei e a sentença assume um aspecto completamente diferente. A decisão do caso concreto já não depende mais das leis, mas da vontade do juiz. O famoso jargão: "Decido conforme a minha consciência."

O juiz não está autorizado a escolher o sentido que mais lhe convier, o que seria dar azo à discricionariedade (para sermos generosos). A "vontade" e o "conhecimento" (aquilo que o juiz entende por correto) não constitui salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária, que é consequência da discricionariedade.

O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo possui julgados sobre a temática, aplicando o percentual dos honorários sucumbenciais previsto no art. 85, do CPC e, em caso de recurso, majorando para o percentual máximo de 20%89.

Portanto, é crucial que decisões assim sejam denunciadas. A lei (ainda) deve ser o norte do Direito – sabemos que isso é um tanto romântico – e não a moralidade ou a opinião particular de cada um. Senão, corremos o risco de solapar toda a concepção de segurança jurídica e as exigências de coerência e integridade previstas em nosso ordenamento jurídico.

Para quem não sabe, existe um dispositivo no CPC, que tem o número de 926. Vale a pena uma leitura no dito cujo. Ou dispositivo já de cujus.


1 https://www.conjur.com.br/2019-jul-02/stj-divulga-11-entendimentos-honorarios-advocaticios

2 https://www.jornaljurid.com.br/noticias/tjpr-reduz-honorarios-sucumbenciais-de-advogado-de-15-para-044-do-valor-da-causa

3 Redução da verba afastada, pois fixada inclusive aquém dos parâmetros utilizados nesta Câmara para ações similares. RECURSO DESPROVIDO. Apelação / Remessa Necessária, Nº 70083373845, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Pippi Schmidt, Julgado em: 18-02-2020)

4 No ponto, agravo provido. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. Agravo de Instrumento, Nº 70083021923, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 11-12-2019)

5 https://www.conjur.com.br/2020-jul-30/juiz-afirma-verba-sucumbencia-inconstitucional-sp

6 https://www.conjur.com.br/2020-mai-15/streck-giannakos-juiz-dispensar-prova-reduzir-aluguel

7 https://www.conjur.com.br/2020-jun-29/streck-giannakos-mensalidades-escolares-proporcionalidade

8 APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. Possibilidade. Fixação do "quantum" indenizatório de acordo com as especificidades da lide e com a observação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação do enriquecimento ilícito. Majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais. Reforma parcial da r. sentença. TJSP; Apelação Cível 1000774-15.2020.8.26.0292.

9 Honorários advocatícios. Majoração. Verba honorária que não pode ser quantificada em cifra irrisória, sob pena de injustificável aviltamento do importante papel desempenhado pela advocacia na administração da Justiça, como expressamente reconhecido no artigo 133, da Constituição Federal. Majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para o importe de 20% sobre o valor atualizado da condenação. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. Sentença reformada, em parte. Recurso parcialmente provido. Dispositivo: deram parcial provimento ao recurso. TJSP; Apelação Cível 1022006-17.2019.8.26.0002.

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