Imparcialidade Maculada

Juízes dos EUA se recusam a abandonar entidades politizadas

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4 de agosto de 2020, 9h38

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Juízes foram liberados para se associar a entidades politizadas 
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Em nome do Judiciário, um comitê da Conferência Judicial dos EUA divulgou, há cerca de seis meses, um parecer sobre ética, com uma proposta a ser debatida pela classe: os juízes ficam proibidos de se associar à conservadora Federalist Society e à liberal American Constitution Society. As duas entidades da área jurídica são politizadas, defendem causas com carga política e tal filiação coloca dúvidas na imparcialidade dos membros do Judiciário.

Em 30 de julho, o diretor de Administração dos Tribunais dos EUA, James Duff, divulgou uma carta, na qual informa que a Conferência Judicial abandonou a proposta. Cerca de 300 juízes responderam à consulta. Desses, mais de 200 eram juízes conservadores, que criticaram a proposta por considerá-la um ataque à Federalist Society.

A proposta parecia fazer sentido. O comitê da Conferência Judicial propunha o entendimento de que “um juiz pode participar de atividades relacionadas ao Direito, se a intenção for melhorar a lei ou o sistema jurídico; mas não pode meramente utilizar a lei ou o sistema jurídico como um meio para atingir objetivos políticos, sociais ou cívicos”.

Por atividades relacionadas ao Direito admissíveis, a Conferência Judicial entendia que “são aquelas que procuram beneficiar o sistema jurídico como um todo, em vez de servir e promover um eleitorado, uma causa ou uma posição política em particular”.

É isso que as duas entidades fazem. Elas têm objetivos políticos e sociais, defendem causas, posições políticas e se alinham com um ou outro eleitorado. O comitê argumentou que o envolvimento dos juízes com tais entidades empresta o prestígio judicial a grupos que defendem causas particulares.

“Se a organização assume posições públicas sobre tópicos controvertidos, a associação a ela levanta desconfiança sobre a imparcialidade do juiz”, diz a proposta. “Pode-se entender que a afiliação a tais entidades debilita a capacidade do juiz de decidir uma questão constitucional e pode ser razoavelmente vista como uma defesa indireta, pelo juiz, das posições políticas de tais entidades”.

A decisão final, no entanto, foi liberar os juízes para se associar as entidades, com a recomendação: “A nação depende de um Judiciário imparcial e independente. Em conformidade com o juramento do juiz, cada um deve, individualmente, se certificar de que suas decisões relativas à afiliação sejam tomadas de uma forma consistente com os mais altos ideais da profissão, conforme expresso no Código de Conduta”.

As entidades
A Federalist Society, mais antiga, defende posições e causas conservadoras associadas ao Partido Republicano. A American Constitution Society, que foi criada mais recentemente para se contrapor à Federalist Society, defende posições e causas liberais associadas ao Partido Democrata. A Federalist Society foi criada em 1982 para se contrapor à tendência dos estudantes de Direito de se alinhar com as posições liberais.

A Federalist Society, que congrega conservadores e libertários, é uma das organizações da área jurídica mais influentes do país. Todos os cinco ministros conservadores da Suprema Corte são membros da entidade. Os dois ministros nomeados pelo presidente Donald Trump foram indicados pela entidade, como também foram os ministros nomeados pelos ex-presidentes republicanos George Bush e Ronald Reagan.

Mas ser membro da Federalist Society, para além do alinhamento com as posições da entidade, rende empregos nos tribunais federais e em órgãos do governo. Quase todos os 200 juízes conservadores nomeados por Trump para tribunais federais e tribunais federais de recurso (além dos dois para a Suprema Corte) foram indicados pela Federalist Society.

A Federalist Society não faz lobby e não atua como amicus curiae. Mas defende causas nos tribunais e publicamente. A entidade defende, por exemplo, a anulação da decisão da Suprema Corte que legalizou o aborto no país. Combate os direitos dos gays, defende os poderes executivos, a liberdade de expressão e o federalismo.

Defendeu com sucesso, porque a decisão da Suprema Corte lhe foi favorável, a tese de que as grandes empresas podem fazer doações ilimitadamente a campanhas eleitorais. É contra a regulamentação da posse e porte de armas. E defende a tese de que não é apropriado para o governo promover o equilíbrio racial ou de gênero.

“A essência da posição conservadora é a de que não há diferença jurídica entre considerar raça ou gênero para o propósito de exclusão e considerar raça ou gênero para o propósito de inclusão. Eles argumentam que ambos são prejudiciais e agravam os problemas raciais”, dizem os autores do livro The Federalist Society: How Conservatives Took the Law Back from Liberals.

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