Desimcumbências

Se ônus é da acusação, defesa não merece mais prazo para desmentir prova, diz STJ

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4 de agosto de 2020, 10h39

Na colisão existente entre a acusação, que diz que o réu cometeu uma conduta ilícita, e a defesa, que a desmente, quem aponta a ocorrência destes fatos tem que comprová-la. Se a acusação se desincumbir do ônus da prova, deve ser garantido ao réu o benefício da dúvida e a consequente absolvição por ausência de provas.

José Alberto
A Nancy Andrighi destacou que, se ônus é da defesa, a não comprovação de fato positivo pode levar ao benefício do réu
José Alberto

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a embargos de declaração interpostos pela defesa do ex-presidente do Tribunal de Contas do Amapá, José Júlio de Miranda Coelho, que pleiteava aumento do prazo concedido para manifestação sobre documentos que poderiam, em tese, provar que não cometeu um ato apontado pela acusação.

O caso diz respeito a suposto esquema formado para desviar milhões de reais das contas do TCE-AP por meio de cheques e saques da conta do tribunal diretamente no caixa do banco. Segundo a acusação, esses cheques eram assinados pelo réu no exercício da presidência do órgão, tendo como sacador o próprio tribunal. Em teoria, o presidente sacaria pessoalmente os valores em dinheiro, na boca do caixa.

Por decisão do Supremo Tribunal Federal, houve a juntada de cópias dos 6.307 cheques pagos no guichê de caixa na conta corrente de titularidade do TCE-AP. Na sequência, a relatora, ministra Nancy Andrighi, concedeu prazo de cinco dias para manifestação da acusação e defesa sobre os documentos. 

A defesa então pediu ampliação do prazo para novas diligência ao alegar que as cópias dos cheques seriam ilegíveis, o que impediria comprovar que o réu não estaria presente no momento em que realizada a operação bancária. Também citou que a complexidade e a quantidade de documentos exigiria mais tempo para apresentar considerações. 

A relatora negou o pedido. Esclareceu que a verificação de qual data, hora e agência em que se deram os saques faz sentido apenas em relação ao núcleo da acusação que se refere ao saque presencial dos valores.

“A prova do efetivo acontecimento desses fatos, por se tratar de prova positiva, é ônus do Ministério Público, não cabendo aos réus comprovarem fato negativo indeterminado — isto é, produzir provas de que não estariam presentes em nenhuma das oportunidades em que os cheques foram sacados em espécie na boca do caixa”, afirmou a relatora.

Assim, como não é responsabilidade da defesa demonstrar a não ocorrência de um fato, não há prejuízo ao direito do contraditório nem da defesa. Na verdade, pode operar em benefício da mesma, com aplicação do princípio in dubio pro reu

Sergio Amaral
Ministro Raul Araújo ficou vencido quanto ao prazo comum dado à defesa e acusação para se manifestar sobre documentos 
Sergio Amaral

No mérito, não fez diferença quem sacou o dinheiro na boca do caixa. Os conselheiros José Júlio de Miranda Coelho e Amiraldo da Silva Favacho foram condenados por peculato-desvio, crime que se consuma com o simples uso da coisa pública, sem necessidade de indicar beneficiários.

Divergência
A ministra julgou em conjunto um agravo regimental interposto pela defesa do conselheiro Amiraldo da Silva Facho, segundo o qual o prazo para manifestação após a juntada dos cheques aos autos não poderia ser comum à acusação e à defesa, pois esta tem o direito de se manifestar por último.

A ministra Nancy Andrighi negou esse pedido por entender que não houve inversão na ordem de falar nos autos e porque a acusação nada acrescentou em suas alegações após a juntada das cópias dos cheques. “Não houve prejuízo concreto à defesa. Parece-me que é um pressuposto para que se reconheça uma nulidade”, disse.

Neste caso, abriu divergência e ficou vencido o ministro Napoleão Nunes Maia, para quem o prejuízo no caso é implícito, presumido e automático. “Quem fala por último sabe o que o outro disse. Quando o prazo é comum, uma parte não sabe o que a outra disse. A defesa fala no escuro”, apontou.

Também ficou vencido o ministro Raul Araújo, que entendeu que houve prejuízo ao exercício do direito de defesa. “O devido processo legal em sua dimensão formal não comporta surpresas na marcha processual. Primeiro a acusação, em seguida a defesa. A abertura de prazo comum viola essa regularidade da marcha processual”, afirmou.

Apn 720

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