Lógica Inversa

União não deve indenizar homem que hostilizou Gleisi em aeroporto, diz TRF-4

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3 de agosto de 2020, 21h09

Expor autores de ameaças e hostilidades, ainda que no Plenário do Senado, não gera indenização por danos morais. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em decisão proferida em 28 de julho. 

Jefferson Rudy / Agência Senado
Homem participou de cerco à deputada petista e pediu indenização ao ser exposto    Jefferson Rudy/Agência Senado

O caso concreto envolve um acontecimento de 2016: a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), então senadora, foi cercada por manifestantes no aeroporto Afonso Pena — na Região Metropolitana de Curitiba —, que a insultaram.

Após a agressão, ela relatou o caso no Senado, expondo a foto de dois dos participantes. Um deles, Jofran Rodrigo Ferreira, entrou com ação, alegando que a petista incitou "o ódio de seus simpatizantes" contra ele e que, por isso, foi alvo de ameaças. Também alegou que a então senadora o tratou como um "criminoso terrorista". Diante dessas alegações, pleiteou da União R$ 100 mil, a título de danos morais.

O homem havia filmado a cena no aeroporto e feito sua divulgação em uma rede social. Na ocasião, Hoffmann foi chamada por alguns dos presentes de "cínica", "puta", "vagabunda", "corrupta", entre outros impropérios. Jofran aparece no vídeo afirmando que "é assim que o povo recebe os petistas".

De sua publicação constavam comentários de terceiros dizendo que a senadora deveria ser linchada e tratada "na porrada pra aprender a virar gente". As agressões foram apagadas posteriormente, mas constaram em manifestação da Advocacia Geral da União. 

Para o desembargador Rogério Favreto, relator do caso, ao ajuizar a ação, Jofran buscou legitimar sua atitude ofensiva, invertendo a lógica agressiva para obter indenização por danos morais. 

"O autor utiliza o conflito por ele mesmo iniciado para intentar, perante o Judiciário, o ganho de uma indenização por supostos danos morais por comportamento que ele mesmo incentivou no âmbito daqueles com que compartilha afinidade política", afirmou o magistrado, destacando também que "a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza". 

Para o desembargador, não ficou comprovado que o autor foi ameaçado por causa da declaração pública de Hoffmann, já que ele é uma figura relativamente conhecida — casado com uma suplente de deputada federal que já tentou se eleger — e que se colocou, de forma autônoma, no centro das discussões ao publicar o vídeo em que aparece hostilizando a petista. 

"A parte autora nega responsabilidade pelas ameaças realizadas por seus apoiadores, em resposta ao seu vídeo contra a senadora. Ao mesmo tempo, busca impor à senadora a responsabilidade por comentários hostis proclamados por pessoas com que não possui vínculo algum. Tal discurso de 'dois pesos, duas medidas', configura contradição grave no discurso do autor", diz Favreto. 

Liberdade de expressão
Na decisão, o magistrado aproveitou para falar sobre um fenômeno cada vez mais frequente no Brasil: as manifestações fora do meio adequado, que atingem a vida privada de autoridades. 

No meio virtual, com a possibilidade de se manifestar de forma anônima, diz, o linchamento virtual e o comportamento de massa se intensificou. 

"Os indivíduos, isolados, não se comportariam com agressividade e truculência. Mas, dentro de uma multidão, somando-se ao relativo anonimato da internet, sucumbem ao discurso de ódio, às ameaças, à desumanização do adversário político, passando a desrespeitá-lo em qualquer local e contexto, até em sua vida privada", diz. 

Ainda de acordo com a decisão, "a proteção da vida privada se estende aos parlamentares: não podem estes ser objeto de críticas e cobranças fora de um contexto saudável de debate democrático". "Tais manifestações devem guardar um mínimo de civilidade e respeito, sem adentrar na esfera da vida pessoal, da vida privada, familiar e social de cada um".

Clique aqui para ler a decisão
5063339-83.2016.4.04.7000

Erramos: ao contrário do que dizia a primeira versão desta reportagem, o processo não foi ajuizado contra a deputada federal Gleisi Hoffmann. Ela integrou o polo passivo, mas, posteriormente, foi retirada a pedido do autor da ação. Assim, a solicitação de indenização era endereçada apenas à União. 

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