Lei "anticrime" acerta ao proibir prisões genéricas e criar juiz das garantias
1 de agosto de 2020, 10h16
A Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019) tem aspectos punitivistas, mas acertou ao acabar com prisões provisórias genéricas e ao criar o juiz das garantias, que aumenta a imparcialidade dos julgamentos. Essa é a opinião de especialistas em painel do "1º Congresso Digital da OAB", nesta sexta-feira (31/7).
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Sebastião Reis elogiou a exigência de fundamentação concreta do decreto de prisão temporária ou preventiva. Em um caso de tráfico de drogas, exemplificou, não é mais possível apenas citar argumentos genéricos, como o de que se trata de um “crime perigoso” ou de “uma mazela que assola a sociedade”. Agora, é preciso ter fundamentos específicos, como o fato de o suspeito pertencer a uma organização criminosa ou agir com armas.
Outro ponto positivo é a insuficiência de citações vazias de leis e precedentes para justificar a prisão, apontou Reis. “O pacote ‘anticrime’ exige do juiz um cuidado maior ao decretar a prisão preventiva. Aquela decisão chapada, comum, não pode mais ser proferida. Qualquer fundamento usado pra justificar a prisão tem que ter ligação com a situação concreta. Hoje, a mesma decisão que justifica a prisão do traficante pego com 100 quilos de cocaína é usada para justificar a prisão de um menino que atua na ponta, pego com 15 gramas”.
O ministro também aprovou o requisito da contemporaneidade dos fatos. Dessa maneira, não é possível deter alguém por causa de um fato ocorrido há tempos. E a prisão não deve ser eterna, alertou. Por exemplo, se alguém for preso por ameaçar uma testemunha, a medida pode ser revogada ou substituída por cautelar alternativa após o depoimento.
Outra novidade do "pacote anticrime" é que juízes e cartórios devem reavaliar as prisões preventivas a cada 90 dias. Porém, na prática, isso não vai ocorrer, analisou Sebastião Reis. Assim, ele sugeriu que advogados fiquem atentos e acionem os magistrados ao fim do prazo, trazendo fatos e circunstâncias novos que justifiquem a revogação dos mandados.
Reis ainda elogiou o fim da prisão provisória de ofício e daquela baseada apenas no fato de haver investigação em curso ou recebimento da denúncia.
Avanço processual
A criação do juiz das garantias “é a maior e a mais importante novidade do processo penal brasileiro desde a Constituição de 1988”, afirmou o professor da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró. “O potencial de preservação da imparcialidade do juiz é enorme”.
De acordo com Badaró, o juiz das garantias cria a possibilidade de termos, pela primeira vez, um processo trifásico, dividido entre as etapas de investigação, análise da acusação e julgamento.
O novo sistema assegura que o julgamento seja mais imparcial, na visão do professor. Afinal, o juiz encarregado da sentença não está com os pré-conceitos sobre a culpa ou não dos réus, que são facilmente adquiridos durante a fase de investigação.
Para obter esses avanços, contudo, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal declare a constitucionalidade do juiz das garantias, observou Badaró. Em janeiro, o ministro Luiz Fux suspendeu a implementação da medida até que a decisão seja referendada pelo Plenário da corte.
Não persecução
A também professora da USP Marta Saad avaliou que o acordo de não persecução penal, igualmente previsto pela Lei “anticrime”, “tende a mudar radicalmente o sistema de Justiça Criminal”.
Conforme a docente, é preciso haver filtros ao cabimento do acordo. Ele não deve ser aceito, por exemplo, se não houver justa causa para a investigação ou ação penal. Nesses casos, é preciso arquivar a apuração, não propor o compromisso, destacou.
Marta também defendeu a possibilidade de um acusado por crimes conexos firmar um só acordo de não persecução penal. Caso contrário, ele só poderá confessar um dos delitos e terá que responder pelos outros.
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