Opinião

Nós estamos todos "infoxicados"

Autor

  • Sandro Nahmias Melo

    é juiz do Trabalho titular do TRT da 11ª Região professor adjunto da Universidade do Estado do Amazonas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 11ª Região (AM e RR) e doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP.

30 de abril de 2020, 7h03

Estamos "infoxicados"! Recebemos diariamente mais informações do que conseguimos processar ou assimilar. Um tsnunami diário de informações têm nos deixado intoxicados.

Acordamos e, instintivamente, consultamos WhatsApp, Facebook, Twitter, sites, blogs, Instagram… e repetimos o ritual antes de dormir. As poucas emissoras de TV existentes nas décadas de 80 e 90 multiplicaram-se massivamente e quase todas priorizam as notícias ao vivo. A rapidez e volume de informações não permitem sequer a "digestão" da última notícia consumida. O órgão de digestão, nesse caso, é o cérebro, que, incapaz de assimilar os reflexos da hiperconectividade, sofre.

A epidemia de informações do século XXI foi potencializada pela pandemia da Covid-19. Em tempos de isolamento social, ficamos emparedados por informações atualizadas a cada minuto: discursos, ideias, conceitos científicos mudam em um piscar de olhos sem que haja tempo hábil para assimilação. A cabeça dói, pois "infoxicada". A "infoxicação" não é termo novo. O neologismo foi cunhado em 1996 pelo físico espanhol Alfons Cornella e representa uma quantidade de informações muito maior do que uma pessoa pode processar [1] e os efeitos são, entre outros, dispersão, estresse e ansiedade.

Com o isolamento social, a maré informacional não para de subir. A velocidade da comunicação é avassaladora. Respostas virtuais ainda mais rápidas têm sido exigidas dos isolados já que não há mais as desculpas de se estar no trânsito, no cinema ou… no trabalho. No mundo do trabalho virtual —, o excesso de informações também é um problema.

Na quarentena possível, trabalhar em casa tem sido um privilégio, sim, mas não sem ônus. As fronteiras entre trabalho, lazer e descanso, já comprometidas antes da Covid-19, desmoronaram. O aríete informacional é implacável. As demandas para um trabalhador em home office nunca foram tão grande,. #fiqueemcasa e… cuide das crianças, cozinhe, limpe, não se contamine e… trabalhe. Em ambientes improvisados, o teletrabalhador pós-pandemia tem que administrar, além de e-mails, os incontáveis grupos de WhatsApp em que transbordam informações, mensagens de texto, vídeos, memes e notícias, muitas notícias, a maioria fake. Especial atenção aos grupos do trabalho: dos setores (um de cada); dos coordenadores (ou da função correspondente); da gerência de crise; do curso de EAD obrigatório; do sindicato. O número de grupos é proporcional ao nível do(s) cargo(s) de chefia exercido(s). A demanda por resposta imediata nestes grupos de WhatsApp tornou-se a representação na terra dos noves círculos do inferno de Dante, uma tortura interminável.

Com tanto ruído de informação, impossível refletir, elaborar pensamentos e desenvolver ideias. A ansiedade só aumenta. O excesso de informações e a exigência sem limite de atividades virtuais afetam a saúde do trabalhador em quarentena. Pesquisa conduzida na Califórnia com 398 adultos que passaram por reclusão decorrente de desastre pandêmico investigou as respostas psicossociais. O resultado demonstrou várias evidências de transtorno por estresse pós-traumático (TEPT). A reclusão por si só gera vários problemas emocionais, como depressão, humor rebaixado, insônia, raiva, exaustão emocional e irritabilidade [2]. Some-se a quarentena ao excesso de cobranças virtuais de trabalho e temos um único resultado inexorável: o adoecimento.

As fronteiras entre trabalho virtual e vida pessoal devem ser soerguidas mesmo em isolamento social. O direito ao descanso, ao lazer, o direito à desconexão [3], ainda que mitigados pela pandemia, precisam ter seus núcleos essenciais preservados. Psicólogos, como Cristiano Nabuco, enfatizam a necessidade do estabelecimento de rotinas, de "previsão" de seu cotidiano, "pois tais sensações de manejo são fortes o suficiente para acalmar sua mente e seu cérebro mais primitivo" [ 4]. Assim, a delimitação de horários para o trabalho, descanso e lazer é um imperativo. O cérebro reage mal à confusão. O descanso e o lazer devem estar, preferencialmente, desconectados dos ambientes virtuais. A própria OMS divulgou diretrizes para proteger nossa saúde mental durante a pandemia e, em essência, tratam de combate à "infoxicação", tais como evitar assistir, ler ou ouvir notícias de maneira descontrolada, principalmente aquelas que podem nos deixar mais ansiosos e angustiados [5]. A desconexão programada combate a "infoxicação". Parafraseando a oportuna recomendação do momento: fique em casa e, se puder, desconectado.

 


[1] https://istoe.com.br/139296_INTOXICADOS+DE+INFORMACAO/. Acesso em 12/4/2020. Cf. CORNELLA, Alfons. Infoxicación: buscando un orden en la información. Barcelona. Zero Factory S.L. 2ª Ed. 2010.

[3] MELO, Sandro Nahmias. RODRIGUES, Karen Rosendo de Almeida Leite. Direito à Desconexão do Trabalho. Com análise crítica da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017). Teletrabalho, Novas tecnologias e Dano Existencial. São Paulo: LTr, 2018.

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho titular do TRT da 11ª Região, professor adjunto da Universidade do Estado do Amazonas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 11ª Região (AM e RR) e doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!