Opinião

Contrato de consórcio na Covid-19 — uma solução que evita o inadimplemento

Autor

  • Fernando Cota

    é advogado sócio do escritório Fernando Cota Advocacia e Consultoria Jurídica professor de Direito e mestre pela PUC-SP.

30 de abril de 2020, 11h43

Consórcio é instrumento de progresso social [1], no qual a própria sociedade é organizada por meio de verdadeiro consórcio de pessoas/bens, com prazo de duração, para propiciar a seus integrantes a aquisição de bens ou serviços por meio de autofinanciamento.

O grupo de consórcio é representado por meio de sua administradora, a quem incumbe administrar o grupo de consórcios [2]. Por sua vez, o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado [3].

Vale dizer, o consórcio é uma forma de autofinanciamento com a finalidade de progresso social através de aquisição isonômica de bens/serviços, e à administradora de consórcio compete administrar e organizar aludido autofinanciamento.

Assim, a estrutura do consórcio tem por partes: I) a administradora do consórcio; e II) os consorciados. Se ambas as partes se compuserem, resta demonstrado que houve busca na garantia da continuidade daquele grupo de consórcio, que a administradora busca os melhores interesses de seus consorciados.

Dessa forma, mas principalmente considerando o estado excepcional em que vivemos, diante de verdadeira pandemia mundial, com decretação de estado de calamidade pública [4] em todo o país (seja pela União, pelos estados federativos ou mesmo pelos municípios), essa situação faz buscar algumas reflexões sobre o melhor interesse do funcionamento dos grupos de consórcio e como a administradora de consórcio pode auxiliar na busca desse melhor funcionamento do grupo.

Considerando que o grupo de consórcios é soberano, e compete, dentro da esfera de disposição do grupo, à administradora de consórcio atuar em conformidade com o quanto o grupo decide, há, para esse tempo de pandemia, algo que, desde que observados os demais requisitos, pode ser feito.

Como bem se sabe, dentro dos valores que o consorciado se obriga a pagar contemplam tanto a parcela do autofinanciamento do bem quanto taxa de administração e demais obrigações pecuniárias estabelecidas no contrato de participação [5].

Aqui, e partindo também da premissa de que a administradora pode, no melhor interesse do grupo, auxiliar em diluir as prestações desde que assim a coletividade o queira, pode buscar junto ao grupo dar opções de solução para a queda de rendimento pessoal dos membros do grupo através da suspensão do valor do fundo comum (aquele que se destina ao financiamento do consórcio de pessoas).

Vejamos, ao grupo de consórcio é dado a possibilidade de decidir suspender, ou mesmo diluir, algumas parcelas mensais do grupo, desde que mantido, no período, o pagamento das taxas de administração e demais encargos contratuais para manutenção do grupo.

Isso, contudo, não significa que podem os consorciados diluir ou diminuir os valores correspondentes a taxa de administração nem os demais encargos pactuados.

Vale dizer, de muito pode auxiliar os consorciados a se manterem adimplentes no grupo se ocorrer uma diminuição no valor do fundo comum a ser pago, momentaneamente, enquanto perdurar a pandemia global, enquanto mantém hígido o cumprimento da obrigação concernente à administradora de consórcio, para que essa continue administrando seu grupo e, mais do que isso, sendo agente de solução de complicações como ao propor essa solução excepcional e temporária.

Ao lado disso, serve, também, como forma de resguardo de responsabilidade civil da administradora. Vale dizer, em caso de, eventualmente, algum consorciado quedar-se inadimplente e buscar socorro no Poder Judiciário para, diante da pandemia e queda em sua arrecadação pessoal, receber os valores despendidos com o grupo de consórcio, considerando a soberania do grupo sobre o interesse de uma pessoa, de duas uma: ou o grupo decidiu por suspender o pagamento ao fundo comum e manter o pagamento das taxas de administração e demais encargos (diminuindo o valor que despende mensalmente) ou então o grupo de consórcio optou por manter o consórcio hígido e com todos os seus valores sendo exibidos normalmente.

Qualquer que seja a solução que o grupo de consorciados decida tomar, resguarda claramente a responsabilidade da administradora em eventual disputa judicial, afinal, sua função é a de administrar, não a de ter lucro, ou seja, os valores que recebe servem para a manutenção da administradora e, respectivamente, do grupo de consórcio.

 

[1] Artigo 1º —  O sistema de consórcios, instrumento de progresso social que se destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços, constituído por administradoras de consórcio e grupos de consórcio, será regulado por esta lei.

[2] Artigo 5º —  A administradora de consórcios é a pessoa jurídica prestadora de serviços com objeto social principal voltado à administração de grupos de consórcio, constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima, nos termos do artigo 7º, inciso I.

§ 1º —  A administradora de consórcio deve figurar no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, na qualidade de gestora dos negócios dos grupos e de mandatária de seus interesses e direitos.

§ 2º —  Os diretores, gerentes, prepostos e sócios com função de gestão na administradora de consórcio são depositários, para todos os efeitos, das quantias que a administradora receber dos consorciados na sua gestão, até o cumprimento da obrigação assumida no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, respondendo pessoal e solidariamente, independentemente da verificação de culpa, pelas obrigações perante os consorciados.

§ 3º —  A administradora de consórcio tem direito à taxa de administração, a título de remuneração pela formação, organização e administração do grupo de consórcio até o encerramento deste, conforme o art. 32, bem como o recebimento de outros valores, expressamente previstos no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, observados ainda os arts. 28 e 35.

[3] Artigo 3º, § 2º —  O interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado.

[4] Decreto 6/2020.

[5] Artigo 27 —  O consorciado obriga-se a pagar prestação cujo valor corresponde à soma das importâncias referentes à parcela destinada ao fundo comum do grupo, à taxa de administração e às demais obrigações pecuniárias que forem estabelecidas expressamente no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão.

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