Opinião

Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?

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29 de abril de 2020, 15h16

Spacca
Sub título: Delegado Ramagem não pode ser diretor-geral da PF, mas pode ser chefe da Abin. Esse Brasil…!

Afinal, quem pode ser ministro ou quem pode ocupar um cargo que é de livre nomeação do presidente da República? Quem pode dizer que um nome é bom ou é ruim?

Eis a questão. Não estou preocupado com o destino do cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Tampouco com o indicado Alexandre Ramagem.

O que quero discutir é o aspecto simbólico da interferência do Judiciário em assuntos que não são de sua alçada. Uma das grandes vantagens (talvez a única) de criticar o ativismo judicial e as arbitrariedades do Poder Judiciário no Brasil, como venho fazendo desde o século passado, é que nunca tive problema de "falta de material".

Há tempos o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) suspendeu a nomeação da deputada Cristiane Brasil ao cargo de ministra de Estado do Trabalho, pelo fato de que essa nomeação afrontaria a moralidade pública, já que a deputada teria sido condenada em duas reclamatórias trabalhistas. Ao fim e ao cabo, ela não pode assumir. Judiciário não permitiu.

Pois bem. Dentre as atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, uma delas é a de nomear o diretor da Polícia Federal. Exigência: o nomeado ser delegado de classe especial.

No caso presente, o ministro Alexandre de Moraes concedeu cautelar impedindo a nomeação do delegado indicado pelo presidente Bolsonaro. Um parêntesis: acho intrigante que partidos políticos se aproveitam do ativismo judicial, quando lhes interessa. Quando não interessa, berram contra. Esquecem que pau que bate em Chico, baterá em dobro em Francisco.

O Brasil é um país interessante. O presidente da República pode conceder indulto e anistia ao seu bel prazer, conforme já decidiu o STF. Só não pode nomear um funcionário público para um cargo se for seu amigo ou algo assim.

Se fizermos uma análise ex tunc, veremos que centenas de cargos foram e são ocupados por compadres, amigos, amigos íntimos. Se amigo é fator de desconstituição? A Constituição não impõe restrições. A Constituição, quando exige impessoalidade, parece falar nesse conceito não no sentido que impeça de o presidente da República designar pessoas de seu círculo. O presidente poderia conceder indulto para um irmão seu? Parece que não há dúvida.

O indicado, delegado Alexandre, por acaso é ímprobo? Seu "defeito" é estar demasiado próximo ao presidente da República. Ou, melhor: o delegado parece não poder ser nomeado não pelo que ele fez ou diz, mas pelo que disse quem o nomeou. Prestemos bem atenção nisso.

Por isso, a decisão não se mostra adequada. Invade prerrogativa de outro poder e coloca as escolhas do Poder Executiva sob censura prévia.

Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando tentaram barrar a nomeação de Moreira Franco, fui contra, por coerência, do mesmo modo. Quando da nomeação da ministra do Trabalho, Cristiane Brasil, protestei. Quando o atual ministro do Meio Ambiente foi barrado, protestei. Aliás, o juiz usou doutrina de minha lavra para restabelecer a nomeação.

Por isso, não concordo, aqui, respeitosa e lhanamente, como é de meu feitio, com decisões que se constituem em ativismo judicial. Como essa que estou analisando.

Legitimar uma decisão ativista porque concordamos com a racionalidade moral ali pressuposta nada mais é do que legitimar que o Direito possa ser filtrado pela moral. E se aceitarmos que o Direito seja filtrado pela moral, indago: quem vai filtrar a moral? É esse o ponto.

Do mesmo modo, um réu não pode ser condenado porque o juiz não gosta dele. E nem o réu deve ficar preso porque o juiz fundamenta no clamor social, como se houve um aparelho chamado clamorômetro.

Permito-me, sempre respeitosamente, fazer uma brincadeira. Poderia o ministro da saúde ser um fumante?   Agora, falando sério: não adianta reclamar do ativismo só quando ele incomoda. Numa palavra final: se a racionalidade jurídica for substituída pela racionalidade moral, o Direito se enfraquece sobremodo.

Por fim, se a decisão for mantida, teremos que, por coerência e integridade (artigo 926 do CPC) perscrutar/sindicar todos os cargos de livre nomeação. Por exemplo, o presidente do TCU quer nomear João para seu chefe de gabinete… só que ele foi multado em duas blitzes ou não pagou o carnê das lojas Renner. Pode ser nomeado?

Eis aí, de novo, a diferença entre Direito e moral. Entre a racionalidade jurídica e os argumentos morais. Ou a moralização do Direito. Não se pode olhar a política como ruim a priori.

Se o presidente erra na nomeação de um servidor, o ônus é dele. É o ônus da política. Se não fosse "por nada", não há previsão constitucional que autoriza o judiciário barrar esse tipo de ato administrativo sob argumentos subjetivos.

Como diz meu amigo Pedro Serrano, o argumento de que a nomeação seria instrumento para intervenção em investigação é mera suspeita levantada pela fala de Moro, que tem tanta importância quanto a de qualquer outra pessoa. Necessita provas.

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