Opinião

Regime fiscal e pandemia: última chance de aplicação do lucro real para 2020

Autores

  • Rafael Dinoá

    é sócio do escritório Rennó Penteado Reis e Sampaio Advogados e professor visitante da Fucape Business School da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e da PUC-Rio.

  • Guilherme Boareto

    é associado do escritório Rennó Penteado Reis e Sampaio Advogados e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas.

29 de abril de 2020, 16h19

O início do exercício fiscal é um momento de grandes decisões para o planejamento estratégico e financeiro de qualquer negócio. Nesse período é revisto o resultado do período anterior e projetado o que se espera do novo ano-calendário que se inicia, inclusive para fins tributários. Mas nem os orçamentos mais conservadores, com base nas informações disponíveis no final de 2019 ou no começo de 2020, poderiam prever os reflexos da atual pandemia com precisão.

A partir das estimativas iniciais e projeções com base em resultados anteriores, são tomadas decisões que afetarão o direcionamento dos próximos passos fiscais da entidade e, para boa parte dos pequenos e médios negócios brasileiros, uma escolha fundamental é qual regime de apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) será escolhido para o exercício. E quais são as alternativas (lícitas) ainda existentes para se contornar o transtorno e potencial alteração significativa nesta escolha, dado o cenário impactado pela Covid-19?

Para os negócios de médio porte, além das pessoas jurídicas que devem seguir um regime específico de tributação por expressa previsão legal (e.g. lucros auferidos no exterior, faturamento no ano-calendário anterior superior a R$ 78 MM), basicamente há dois regimes que podem ser selecionados pelo contribuinte para apuração desses tributos: lucro real e lucro presumido.

O lucro Real é um regime que parte do lucro contábil do contribuinte (confronto de receitas e despesas/custos) que, após os ajustes previstos na legislação (adições e exclusões temporárias ou permanentes), resultará em uma base tributável. Esse regime é apurado de forma trimestral, mas é facultado ao contribuinte optar pelo seu regime anual, com antecipações mensais.

Por outro lado, o lucro presumido é um regime que observará apenas receitas e ganhos auferidos pela entidade. Como custos e despesas são desconsiderados, a legislação prevê a aplicação de percentuais de presunção do lucro auferido para que seja encontrada a base de cálculo dos dois tributos. Esses percentuais, por sua vez, são previstos pela legislação de acordo com a atividade despenhada, como 8% para venda de mercadoria ou 32% para prestações de serviço em geral. Diferentemente do lucro real, esse regime é sempre apurado trimestralmente.

Entre as diversas variáveis, uma que tem grande impacto na decisão do regime de apuração é a margem de lucro que se espera obter com a operação. Matematicamente, o regime do lucro real pode ser positivo ou negativo (prejuízo fiscal), sendo certo que é possível que as perdas fiscais sejam compensadas com lucros posteriores. Por outro lado, a presunção de lucratividade leva o contribuinte sempre a um resultado positivo, mesmo que os imprevistos tenham reduzido suas receitas e mantido (ou aumentado) suas despesas e custos.

Em situações como essa, aqueles contribuintes que acreditaram que o regime do lucro presumido seria o mais indicado para a sua operação podem se encontrar em uma situação de ter que desembolsar IRPJ e CSLL, mesmo incorrendo em prejuízo contábil.

A opção pelo regime de tributação do IRPJ/CSLL é irretratável para todo o ano-calendário, traz consequências para outros tributos e pode representar a potencial descontinuidade de um negócio sem musculatura para suportar cenários de extrema adversidade. Em março de 2020, as projeções da maioria dos negócios foram drasticamente impactadas, mas a opção tributária segue sendo irretratável e sequer se atingiu a metade do ano.

Porém, segundo o artigo 587, §4º, do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, a opção pelo lucro presumido apenas se opera com "o pagamento da primeira ou da quota única do imposto sobre a renda devido correspondente ao primeiro período de apuração de cada ano-calendário", ou seja, com o desembolso referente ao primeiro trimestre de 2020, encerrado em 31 de março.

Ora, sendo o vencimento da primeira quota ou quota única verificado apenas em 30 de abril, a opção pelo lucro presumido ainda não foi efetivamente realizada por qualquer contribuinte para o ano-calendário de 2020. Portanto, há previsão legal expressa para que a pequena ou média empresa que esteja nesta situação possa apurar seus tributos com base no lucro real que, na realidade, é a regra geral. Nesse caso, apesar dos impactos em outros tributos e do grau de complexidade dos controles atinentes a cada um dos regimes, os quais também devem ser considerados na decisão da administração, o contribuinte ainda conta com a possibilidade de exercer sua opção, a qual pode ter mudado diante das circunstâncias extremas.

Por fim, é de se destacar que esse posicionamento se mantém, inclusive, para aqueles contribuintes que já tenham realizado o pagamento das contribuições ao PIS e Cofins com base no regime cumulativo para os primeiros meses do ano, pois o pagamento dessas contribuições não define a forma de apuração do IRPJ e da CSLL, mas, sim, o contrário.

Nessa situação, o contribuinte que seguiu o método de apuração equivocado no início do ano deverá recalcular seus tributos e retificar as obrigações acessórias de modo a adequar as suas obrigações fiscais ao regime de apuração que, de fato, tenha optado em 2020 sem prejuízo de recolher o valor complementar de tributos eventualmente devidos, com os respectivos acréscimos previstos na legislação.

Autores

  • é sócio do escritório Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados e professor visitante da Fucape Business School, da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e da PUC-Rio.

  • é associado do escritório Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas.

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