Opinião

Coronavírus, oportunismos e a estabilidade das relações jurídico-contratuais

Autor

  • Adriano Dib

    é sócio do escritório Advocacia Adriano Dib em São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP mestre em Direito pela Faculdade de Direito da University of Pennsylvania e professor do curso de pós graduação LLC do INSPER.

29 de abril de 2020, 6h03

Vivemos um momento em que a insegurança e a incerteza predominam em razão do devastador efeito do coronavírus no mundo. Além das mortes, outras consequências são o caos no mercado financeiro nacional e internacional, a redução da previsão do PIB, a estagnação de investimentos importantes e o iminente risco às pequenas, médias e grandes empresas, sem contar a devastação aos microempreendedores e ao setor informal.

Melhor sorte não assiste ao âmbito jurídico: as estruturas de algumas relações contratuais já estabelecidas — ou a serem estabelecidas poderão sofrer, em alguns casos, revisão.

Citemos algumas provocações, cada uma em uma área do Direito, para demonstrar a multiplicidade de efeitos que uma crise como a que vivemos pode em tese gerar.

No campo do Direito Societário, aportes de capital pré-determinados, reajustes de preços em operações de compra e venda de empresas, valuations atrelados ao dólar e memorandos vinculantes ou compromissos para futuras constituições de empresas poderão ser questionados ou reequilibrados?

No âmbito do Direito Bancário, como se darão os gatilhos de empréstimos tomados no exterior garantidos por investimentos cada vez mais desvalorizados?

Como será a muitas vezes conturbada relação entre franqueador e franqueados no âmbito do Direito Comercial? Contratos de leasing de maquinários que não serão mais utilizados poderão ser devolvidos antes do tempo?

No âmbito do Direito Internacional Privado, contratos de distribuição comercial de produtos estrangeiros e operações de importação e exportação terão suas equações econômico-financeiras ajustadas?

Na seara do Direito Internacional Público, países poderão rever compromissos assumidos em tratados multilaterais já em andamento?

No que tange ao Direito Administrativo, como ficarão as concessões vigentes e as privatizações prometidas?

Já no campo do Direito Trabalhista, como manter relações com empregados mesmo diante da impossibilidade de pagamento de salários?

Apesar das proporções ainda não serem mensuradas, o Direito tem condições de dar resposta a todas essas perguntas. Isso não significa, todavia, que oportunismos de parte a parte deixarão de existir.

Infelizmente, atitudes oportunistas em momentos de crise sempre ocorreram e não deixarão de existir. Se os oportunistas agem em momentos de estabilidade, imaginem em momentos de instabilidade como o atual.

Assim, cabe aos operadores do Direito diferenciar um pleito do outro em questões de reequilíbrio da equação econômico-financeira dos contratos.

Espera-se, ainda, um aumento no número de ações submetidas ao Poder Judiciário para que o Direito seja imposto àqueles que, voluntariamente, não se conformem ou, simplesmente, não aceitem os limites e contornos estabelecidos pelas normas.

Mas é preciso reconhecer que os empresários estão fartos da demora do Poder Judiciário e, nessas horas, tempo perdido pode significar, literalmente, a vida de uma empresa. Aliás, não apenas uma empresa pode se perder na maré dessa pandemia, mas a onda devastadora da incerteza leva consigo empregados, empresas parceiras e, por que não dizer?, contrapartes em contratos.

Nessas horas, mais do que a letra fria e distante da lei, ou os intermináveis desdobramentos de um processo judicial, o bom senso, a responsabilidade social e, sobretudo, a ética serão as ferramentas mais rápidas e úteis para atender aos anseios dos empresários e da população em geral.

Diversas relações contratuais serão, sim, colocadas em xeque. A sociedade terá de separar as jogadas que merecem resultar no correto e legítimo xeque-mate daquelas que são meramente oportunistas, e já conhecidas, no intrincado tabuleiro empresarial.

Já fizemos essa "triagem" em outras crises. Não será diferente agora.

Autores

  • é advogado em São Paulo, sócio do escritório Advocacia Adriano Dib, doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da University of Pennsylvania.

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