Opinião

IRDR e a suspensão nacional: a lei é um brinquedo bonitinho?

Autor

  • Júlio César Rossi

    é advogado da União pós-doutorando em Direito pela Unisinos doutor em Direito pela PUC-SP e membro da ABDPro e do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

28 de abril de 2020, 9h48

Em 16 de abril p.p., o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre o pedido de suspensão nacional formulado no bojo de um Incidente de Demanda Repetitiva (IRDR) em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), deduzido por empresa de tecnologia da informação, objetivando a suspensão nacional dos processos (individuais e/ou coletivos) que versassem sobre a licitude da divulgação, por meio de provedor de aplicações de internet, de dados relacionados aos processos judiciais em marcha ou encerrados, exceto os sob segredo de justiça, bem assim da existência ou inexistência do dever de remover os conteúdos das páginas dos aludidos provedores.

Em síntese, a empresa requerente aduziu que: I) o IRDR suscitado fora admitido perante órgão colegiado do TJ-RS; II) o cerne da discussão diz respeito à liberdade de informação e publicidade dos atos processuais (cf. artigo 5º, IX/220, e 5º, LX/93, IX, da Constituição Federal); e III) apenas perante o TJ-RS identificaram-se mais de 400 processos em tramitação acerca da matéria. Requereu, por fim, a suspensão nacional de todos os processos individuais e coletivos que tenham por objeto a mesma pretensão contida no IRDR instaurando na origem.

Conforme estabelecido no Código de Processo Civil, havendo pedido de suspensão nacional cujo objeto tenha por fim a discussão de questão constitucional, caberá ao presidente do STF, "considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, estender a suspensão a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto" (cf. artigo 1.029, § 4º).

O pedido de suspensão em âmbito nacional também está calcado nos dois fundamentos para instauração do IRDR risco de ofensa à isonomia e garantia da segurança jurídica —, sendo possível aos legitimados para a instauração do IRDR, bem assim qualquer pessoa que seja parte em demanda objeto do incidente, ainda que o processo respectivo esteja em tramite em local não abrangido pela competência do órgão em que tramita o IRDR, requerer, por meio de petição, ao Supremo Tribunal Federal (obviamente em se tratando de matéria de cunho eminentemente constitucional) que estenda a todo território nacional a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos que tenham por objeto a mesma questão discutida no IRDR já instaurado perante qualquer tribunal local (cf. artigos 982, §§ 3° e 4° do CPC). Em tais condições foi deduzido o pedido SIRDR nº 12.

Todavia, o presidente do STF entendeu por bem indeferir (ver aqui) o pedido de suspensão nacional, fundamentando nos seguintes termos:

"É importante sublinhar que o legitimado deverá expor, no requerimento de suspensão nacional, que a questão objeto do incidente veicula matéria de envergadura constitucional e que ela se repete em processos seriais em outros estados-membros ou regiões.

A par deste aspecto, entendo indispensável, como requisito para demonstração de interesse, a formalização de instauração do incidente versando idêntica controvérsia no estado-membro ou região do requerente, com a consequente comprovação da decisão de inadmissibilidade".

Tal decisão, data maxima venia, carece de balizamento legal.

Note-se que o pedido de providência da suspensão nacional do IRDR, como posta na decisão ora comentada, é uma faculdade a ser desempenhada pelos legitimados na arguição do instituto processual, tendo por fulcro evitar risco à isonomia e garantir a segurança jurídica, obstando a disseminação de entendimentos contraditórios já existentes ou potencialmente previsíveis no âmbito dos demais estados-membros ou nas regiões a respeito da questão de direito unicamente de direito (processual ou de mérito) já versada no incidente pendente.

A lei (cf. CPC, artigo 982, §§ 3º e 4º) estabelece como requisito a ensejar a suspensão nacional que qualquer legitimado no processo em curso no qual se discute a mesma questão objeto do incidente poderá requerê-la ao STF, "independentemente dos limites da competência territorial".

Não há qualquer suporte legal que demonstre como conditio sine qua non a indispensabilidade da demonstração do interesse da parte requerente na "formalização de instauração do incidente versando idêntica controvérsia no estado-membro ou região do requerente, com a consequente comprovação da decisão de inadmissibilidade", tal como esposou o presidente do STF ao indeferir o pedido formulado pela empresa baiana.

Tal exigência, indicada como pressuposto pelo STF, para além de qualquer discricionariedade (v.g., quando, por vezes, seja necessário tornar mais precisos os padrões inicialmente vagos e dirimir as incertezas contidas nas normas) [1], mostra-se, com a devida venia, arbitrária, quer porque inseriu no comando normativo hipótese não estabelecida na bitola legal (uma espécie de correção moral/ética não normativa), quer porque, dentro do esperado, a parte ainda demonstrou "o caráter serial da controvérsia", através de dados empíricos obtidos junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) e ao TS-RS, não lhe sendo exigível adentrar em quantificações em nível nacional para se desincumbir do seu ônus argumentativo.

A decisão produzida no SIRDR nº 12 é, ao que parece, mais um dos muitos efeitos colaterais propiciados pela arbitrariedade judicial que rói, silenciosamente, o ordenamento pátrio.

É preciso que saibamos para quem o CPC e seus noveis institutos IRDR, p. ex. foi idealizado; se para cidadão (jurisdicionado) constituindo meio adequado à prestação de um serviço de qualidade, ou à própria jurisdição como instrumento de produção estatisticamente quantitativa a servido do Estado.

Afinal de contas, se as normas que os juízes dizem limitar são necessárias na medida em que ajudam a prever o que farão, e reside aí toda a sua importância, desconsiderá-las ao bel-prazer significa, em última análise, nas palavras de Hart, concebê-las como meros "brinquedos bonitinhos" [2].

 


[1] HART, H. L. A. O conceito de direito. Trad. Antonio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 176.

[2] HART, Op. cit. 180.

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  • é advogado da União, pós-doutorando em Direito pela Unisinos, doutor em Direito pela PUC-SP e membro da ABDPro e do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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