Opinião

A legalidade do CDI como indexador dos contratos bancários

Autor

  • Rodrigo Pereira Cuano

    é advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados especialista em direito processual civil reestruturação e recuperação de empresas e em direito digital e integrante da Comissão Jurídica de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

27 de abril de 2020, 9h32

O Certificado de Depósito Interbancário (CDI) é um título de emissão das instituições financeiras que lastreia suas operações no mercado interbancário, tendo como objetivo principal a transferência de recursos de uma instituição financeira para outra. Para simplificar, trata-se do nome dos empréstimos que os bancos tomam entre si diariamente para fechar o caixa no positivo, sendo sua taxa usada como referência em diversos investimentos. Trata-se, portanto, de título que fica restrito ao mercado interbancário, servindo de lastro de transações entre os bancos.

Não obstante o CDI servir para lastrear as operações interbancárias, ele também é adotado como referência para os rendimentos em aplicações de renda fixa e variável, além de ser utilizado como fator de remuneração em contratos bancários.

Em que pese a sua importância, já que o CDI serve como parâmetro não apenas para alguns investimentos, mas para toda a economia, algumas questões têm se mostrado tormentosas nos últimos tempos, com reflexos e grande instabilidade jurídica.

Trata-se, na realidade, da indevida e irrestrita aplicação da Súmula 176 do Superior Tribunal de Justiça aos contratos bancários. Segundo orientação da mencionada Súmula, "é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela Anbid/Cetip".

A utilização do CDI em operações ativas (mútuo bancário, abertura de crédito, capital de giro, etc.) e em operações passivas (CDBs, investimentos, etc.) como elemento de taxas de juros flutuantes é admitida pela Resolução CMN 1.143/1986 [1] e disciplinada pela Circular Bacen 2.905/1999 [2].

Todavia, em que pese o CDI: I) configurar legítima expressão do custo do dinheiro para as instituições financeiras; II) não se confundir com correção monetária, nem com juros moratórios; III) ter seu cálculo realizado por companhia aberta independente e devidamente autorizada pelo Bacen; IV) ser de conhecimento público por meio de divulgação diária; e V) poder ser utilizado pelas instituições financeiras na formação de taxas de juros flutuantes de operações ativas e passivas, conforme determinação do CMN e do Bacen, inúmeras decisões dos tribunais acabam afastado sua utilização com base em raciocínio que equipara o CDI à taxa Anbid.

A Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) criou uma taxa que era a média das operações de mercado em determinados títulos emitidos por instituições financeiras (CDB e RDB, entre outros). Já o CDI somente é operado entre instituições financeiras, exprimindo, portanto, o custo de captação de recursos no mercado interbancário, o qual tem sua flutuação praticamente atrelada à da taxa Selic.

O Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da Súmula 176, considerou como nula a taxa de juros apurada e divulgada pela Anbid-Cetip (que não se confunde com o CDI) como referencial de juros moratórios (não remuneratórios) de títulos de créditos rurais (Nota de Crédito Rural e Cédula de Crédito Rural).

Evidente, portanto que a extinta taxa Anbid não se confunde com o CDI!

Sensível a tal fato, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão proferida quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.781.959/SC [3], em acórdão de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, concluiu que "não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras".

Conforme brilhante fundamentação constante do voto, "a taxa DI, além de ser um referencial permanente de taxas de juros, tanto para operações ativas quanto passivas, constituindo hoje um dos principais índices de desempenho (benchmark) do mercado, permitiu a redução das taxas de empréstimos ao tomador final em decorrência da diminuição do custo de captação de moeda no mercado financeiro", e continuou ao concluir não ser potestativa a taxa cujo índice 'não é livremente fixado pelo próprio credor, mas definido pelo mercado a partir das oscilações econômico-financeiras, além de estar sob permanente fiscalização das instituições responsáveis por exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (CMN e Bacen)".

Em que pese não se tratar de um precedente vinculante, mostra-se de grande relevância o entendimento externado pelo Superior Tribunal de Justiça, que é o guardião da legislação infraconstitucional.

Espera-se, desse modo, que o mencionado precedente seja observado pelos demais tribunais, a teor do que dispõe o artigo 926, caput, do Código de Processo Civil, já que entendimentos divergentes acabam por trazer insegurança jurídica ao mercado e, consequentemente, impactam no custo do crédito e nos indicadores de recuperação, o que já foi demonstrado em estudos divulgados pelo Banco Mundial no Projeto Doing Business [4].

 

[1] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1986/pdf/res_1143_v1_O.pdf

[2] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/1999/pdf/circ_2905_v4_l.pdf

[3] https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1910387&num_registro=201803108760&data=20200220&formato=PDF

[4] https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploreeconomies/brazil#DB_ri

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro associado do TMA (Turnaround Management Association) e do Instituto dos Advogados de São Paulo.

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