Relato solitário

Apenas palavra de policial não embasa condenação, decide JEC gaúcho

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27 de abril de 2020, 20h53

A palavra solitária do policial pode ser considerada suficiente para a formação de culpa do acusado se amparada por outros indicativos de prova na mesma direção. Entretanto, se a prova do ato ilícito se resume a este relato isolado, quando se sabe que outras pessoas estavam no local da infração e não foram ouvidas no processo, a dúvida favorece o réu.

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Apenas o relato do policial não foi suficiente para ratificar sentença
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Com este fundamento, a Turma Recursal Criminal, dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, absolveu um homem denunciado por dirigir com a carteira de habilitação suspensa, delito previsto no artigo 309 do Código Brasileiro de Trânsito — CTB (Lei 9.503/97). Ele havia sido condenado a seis meses detenção pelo juízo de primeiro grau.

Ao contrário do juízo de origem, que lastreou a condenação do réu unicamente na palavra do policial que fez a abordagem, o colegiado não viu substrato probatório suficiente para confirmar a sentença. O relator da apelação-crime, juiz Edson Jorge Cechet, observou que a elementar do perigo de dano não foi comprovada pela prova colhida. E o policial, ouvido em juízo, nada informou sobre a presença de pessoas no local do fato, já que o réu poderia ter causado algum dano por trafegar em alta velocidade.

‘"Vale ressaltar, como indicado pelo policial, que o pai do acusado estava presente no local. Entretanto, também não foi arrolado para esclarecer as circunstâncias do ocorrido. Além disso, ausente também a prova da inabilitação para dirigir veículo automotor, elementar do tipo penal. Nenhum documento oficial foi juntado aos autos para confirmar a inexistência de permissão do condutor’", escreveu na sentença.

O réu restou absolvido com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (CPP) — falta de provas para amparar a condenação.

A denúncia do MP
O Ministério Público relatou na inicial que o motorista dirigia sua VW Parati em alta velocidade, gerando perigo de dano na BR 287, em Novo Cabrais (RS), e não obedeceu à ordem de parada emitida por um agente da Brigada Militar — a polícia militar gaúcha.

O "brigadiano’" contou que perseguiu o veículo, até que este adentrou num estrada secundária, de chão batido. Vendo que não poderia ir muito longe, o motorista resolveu parar o veículo. Na abordagem, o policial constatou que o motorista estava com a carteira de habilitação suspensa, retendo-a. Neste ato, o condutor empreendeu nova fuga. O policial, para evitar acidente, deixou de persegui-lo, apresentando o documento na Delegacia de Polícia ao registrar a ocorrência.

Sentença condenatória
A juíza Rosuita Maahs, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeira do Sul , acolheu integralmente a denúncia do MP, condenando o réu nas sanções do artigo 309 da Lei 9.503/97. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade — seis meses de detenção — foi substituída por pagamento de dois salários mínimos.

Para a juíza, o acusado — revel no processo — tinha ciência de que dirigia com a carteira de habilitação suspensa, apesar de inexistir prova documental desta inabilitação no processo. Além disso, pontuou, o réu seguiu de maneira arriscada por estrada de chão batido, pondo em risco a integridade das pessoas que ali circulavam, assim como a do próprio pai que o acompanhava no automóvel.

‘"E não se verifica nenhuma incongruência ou imprecisão capaz de colocar em xeque a higidez do relato do Policial Militar, o qual manteve uma única, sólida e harmoniosa versão. Ressalte-se que, sem elementos concretos, não é crível imaginar que funcionários legitimados pelo Estado para auxiliar no combate ao crime imputassem ao réu situação que não fosse verídica, de forma propositada"’, justificou na sentença.

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Processo 006/2.15.0006287-1 (Comarca de Cachoeira do Sul)

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