Ambiente Jurídico

Considerações a respeito do prazo de validade das licenças ambientais

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

25 de abril de 2020, 10h14

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É sabido que a licença ambiental é uma espécie de outorga com prazo de validade concedida pela Administração Pública, que impõe a observação de certas condicionantes, para a realização das atividades humanas que gerem ou que possam gerar impactos sobre o meio ambiente. Assim, ao obtê-la, o empreendedor se compromete a manter a qualidade ambiental do seu empreendimento sempre por um período determinado.

Trata-se de um ato administrativo emitido com prazo de validade específico, de forma que o próprio documento indica a data inicial e final de sua vigência. Isso se dá porque o licenciamento ambiental, processo administrativo do qual emanam tais licenças, diz respeito sempre a uma atividade específica, em um lugar específico e por um tempo específico — uma vez que o licenciamento e a licença ambiental não existem em tese, pois estão sempre vinculados a um caso concreto.

Isso implica dizer que a parte interessada deverá requerer uma nova licença quando o prazo da licença vigente estiver perto de vencer, pois não poderá funcionar sem a mesma sob pena de cometer o crime previsto no artigo 60 da Lei 9.605/98 e a infração administrativa ambiental prevista no Decreto 6.514/2008. Essa obrigatoriedade está prevista expressamente no §1º do art. 10 da Lei 6.938/81 e no artigo 14 da Lei Complementar 140/2011:

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

§ 1o Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.

Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento.

§ 1o As exigências de complementação oriundas da análise do empreendimento ou atividade devem ser comunicadas pela autoridade licenciadora de uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos.

(…)

É importante destacar que a própria Lei 6.938/81, ao dispor sobre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente no inciso IV do art. 9o da Lei 6.938/81, usa a expressão “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras”. Daí a regulamentação do prazo de validade das licenças ambientais pelo CONAMA, segundo a atribuição prevista pelo inciso I do art. 8o dessa lei, que editou a Resolução 237/97:

Art. 18 – O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos:

I – O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos.

II – O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos.

III – O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos.

§ 1º – A Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) poderão ter os prazos de validade prorrogados, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II

§ 2º – O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de validade específicos para a Licença de Operação (LO) de empreendimentos ou atividades que, por sua natureza e peculiaridades, estejam sujeitos a encerramento ou modificação em prazos inferiores.

§ 3º – Na renovação da Licença de Operação (LO) de uma atividade ou empreendimento, o órgão ambiental competente poderá, mediante decisão motivada, aumentar ou diminuir o seu prazo de validade, após avaliação do desempenho ambiental da atividade ou empreendimento no período de vigência anterior, respeitados os limites estabelecidos no inciso III.

§ 4º – A renovação da Licença de Operação(LO) de uma atividade ou empreendimento deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.

Em relação à LP, o inciso I determina que seu prazo de validade deve ser no mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos à atividade, não podendo ser superior a cinco anos. Já em relação à LI, o inciso II dispõe que seu prazo de validade deve ser no mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de instalação da atividade, não podendo ser superior a seis anos. Logo, não existe prazo mínimo, já que esse será definido pelo próprio calendário de atividades do empreendedor, que deverá estar devidamente justificado.

O §1º dispõe que tanto a LP quanto a LI poderão ser prorrogadas, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II. Para além disso, far-se-á necessário a obtenção de uma nova licença e não mais da extensão do prazo da já obtida.

Em relação à LO, o inciso III estabelece que o prazo de validade deve considerar os planos de controle ambiental e será de no mínimo 4 anos e no máximo 10 anos. Já em relação à licença simplificada, o §2º estabelece que órgão ambiental poderá estabelecer prazos de validade específicos para  empreendimentos ou atividades que por sua natureza e peculiaridades estejam sujeitos a encerramento ou modificação em prazos inferiores. O §3º ordena que na renovação o órgão ambiental poderá, mediante decisão motivada, aumentar ou diminuir o prazo da licença depois de avaliação do desempenho ambiental da atividade no período de vigência anterior, embora sempre respeitando os limites estabelecidos no inciso III. Ocorre que, na prática, os órgãos ambientais costumam desrespeitar esse dispositivo, e acabam concedendo licenças com prazos exíguos com fundamento no §2º.

Na imensa maioria das vezes isso é feito de maneira indevida e sem qualquer justificativa, fazendo com que o que era para ser a exceção da exceção se torne a regra. Com efeito, muitas vezes são expedidas com prazos de 2 anos, 1 ano ou até menos, o que, além de não guardar base normativa, também não contribui para o aperfeiçoamento da qualidade ambiental. Pelo contrário, isso gera uma burocracia desnecessária, triplicando ou quadruplicando o número de processos em tramitação dentro do órgão ambiental. Não é possível esquecer que a renovação da LO é uma constante na vida do empreendimento, ao passo que a LP e a LI só costumam ser solicitadas uma única vez.

O §4º determina que a renovação da LO deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 dias em relação ao vencimento, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental. Muitos órgãos ambientais trabalhavam com prazos distintos, seja de 90, 60 ou até de 30 dias para tanto. Entretanto, a Lei Complementar 140/2011 pacificou o assunto ao estabelecer o seguinte:

Art. 14.

(…)

§ 4o A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.

De todo jeito, não parece razoável negar o benefício ao empreendedor que protocolou o requerimento um pouco depois, pois a Administração Pública deve agir de maneira equilibrada e funcional. A razão de ser da previsão dos prazos de validade é permitir a análise do processo sem açodamento por parte dos técnicos, o que muito provavelmente não será alterado por conta de alguns dias a menos. Demais, não seria certo pecar pelo formalismo excessivo, consoante dispõe a Lei 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Cumpre dizer que essa concessão tácita só ocorre na hipótese de renovação da mesma modalidade de licença ambiental. Nos demais casos, não existe a concessão de licença ambiental por decurso de prazo haja vista a vedação expressa da Lei Complementar 140/2011:

Art. 14.

(…)

§ 3o. O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva referida no art. 15.

A questão do prazo de validade é tão importante que o CONAMA, ao deliberar sobre os modelos de publicação das concessões de licença ambiental, exigiu expressamente na Resolução 06/86 que se informasse o prazo de validade – dentre outras informações, como modalidade da licença, tipo de atividade etc. A Resolução 281/2001, por sua vez, permitiu a simplificação da publicação por parte dos órgãos estaduais, distrital e municipais, desde que não se trate de atividade significativamente poluidora.

A existência de prazos de validade das licenças ambientais procura atender a dois ditames: o da efetiva proteção ao meio ambiente e o da segurança jurídica para empreender. O sentido da concessão de licenças com prazos determinados é impedir a perenização de padrões ultrapassados tecnologicamente, o que certamente prejudicaria a qualidade ambiental. De fato, a licença ambiental deve ser renovada de tempos em tempos, de forma a permitir a atualização e a melhoria do controle ambiental – ao contrário do que acontece com as licenças urbanísticas, por exemplo, que não estão sujeitas à renovação. Em vista disso, é possível aperfeiçoar as medidas de mitigação e de compensação, haja vista o avanço do estado da arte da melhor técnica disponível.

Por sua vez, o empreendedor enxerga nisso a possibilidade de planejamento financeiro, uma vez que dentro do período previsto o órgão ambiental não poderá fazer novas exigências. A exceção seria a superveniência de graves riscos ambientais e de saúde, situação prevista no inciso III do art. 19 da citada Resolução 237/97, quando uma questão de força maior poderia mudar o conteúdo das condicionantes da licença ambiental, ou mesmo suspender os seus efeitos. De resto, enquanto a licença estiver valendo a modificação de padrões ambientais não pode ser obrigatória para aquele que esteja regularmente licenciado segundo os padrões vigentes à época da concessão da licença. Esse, inclusive, é o entendimento majoritário da doutrina, a exemplo de Annelise Monteiro Steigleder[1], Antônio Inagê[2], Édis Milaré[3], Francisco Thomaz Van Acker[4], Luís Paulo Sirvinskas[5], Paulo Affonso Leme Machado[6], Paulo de Bessa Antunes[7] e Vanêsca Buzelato Prestes[8].

[1]   STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Aspectos controvertidos do licenciamento ambiental. Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.abrampa.org.br>. Acesso em: 14 mar. 2020.

[2]    OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 308.

[3]    MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004., p. 486.

[4]   VAN ACKER, Francisco Thomaz. Licenciamento ambiental. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/EA/adm/admarqs/Dr.VanAcker.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2020.

[5]    SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.  p. 236.

[6]    MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001., p. 300.

[7]    ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 102.

[8]    PRESTES. Instrumentos legais e normativos de competência municipal em matéria ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, p. 30.

Autores

  • é advogado, professor da UFPB e da UFPE e doutor em Direito da Cidade pela UERJ. Autor de "Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos" (7. ed. Fórum, 2019).

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