Opinião

O acordo de não persecução civil na ação de improbidade administrativa

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

25 de abril de 2020, 6h36

O artigo 17 da Lei n.º 8.429/92 vedava a celebração de acordos nas Ações Civis Públicas por atos de improbidade administrativa, no entanto os defensores de sua realização sustentavam que a referida vedação não mais encontrava respaldo jurídico, tendo em vista que leis criminais (que também tratam de direitos e bens indisponíveis) posteriores à Lei n.º 8.429/92 já previam a possibilidade de realização de acordos que afastavam a punibilidade em crimes de menor potencial ofensivo, a exemplo da transação penal prevista na Lei n.º 9.099/95 e até, em alguns casos, onde há previsão de aplicação de penas mais graves, como ocorre na Lei n.º 12.850/13, que dispõe sobre as organizações criminosas, em que o julgador pode deixar de aplicar a pena caso seja celebrado acordo de colaboração premiada que atenda aos requisitos previstos na referida lei e ainda a Lei n.º 12. 846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mais conhecida como Lei Anticorrupção.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 13.964/19 (Lei Anticrime), a celeuma teve fim, uma vez que passou a ser possível a celebração de acordo de não-persecução civil nas ações de improbidade administrativa, nos termos de lei específica.

O acordo de não persecução civil tem por finalidade impedir o início de uma ação civil por ato de improbidade administrativa mediante a aceitação de algumas condições pelos agentes responsáveis pela prática dos supostos atos de improbidade administrativa, como forma de tornar mais célebre e efetiva a reparação do dano eventual causado ao erário.

No entanto, ainda que se trate de uma medida de efetividade que coaduna com os ditames do Processo Civil moderno, que preza pela solução consensual dos conflitos, é necessário ter cautela a fim de evitar que direitos fundamentais sejam violados.

Assim, é necessária a prévia reflexão acerca da necessidade de edição de lei específica para a regulamentação do acordo de não persecução civil, bem como os limites de sua regulamentação por meio de resolução, já que originalmente o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional trazia toda regulamentação para a celebração do referido acordo, o qual foi vetado pelo presidente da República, permanecendo apenas a disposição acerca da possibilidade de sua celebração.

Nesse sentido, agiram o Ministério Público do estado de Pernambuco, que por meio do seu Conselho Superior editou a Resolução n.º 01/20, datada de 10/2/2020, que regulamentou a celebração de acordo de não persuasão civil no âmbito da improbidade administrativa, e o Ministério Público Federal no Estado de Goiás, que celebrou o primeiro acordo de não persecução criminal e civil utilizando como norma procedimental a Resolução n.º 179/17 do CNMP, em janeiro de 2020, o qual foi encaminhado para homologação da Justiça Federal no estado de Goiás.

Assim, surge então a seguinte questão: quais os limites da regulamentação para a celebração do acordo de não persecução civil por meio de resolução?

Para responder a tal questionamento é necessário, antes, fazer um resgate de algumas normas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que tratam de soluções negociais correlatas. A primeira delas é a Resolução n.º 181 do CNMP, alterada pela Resolução n.º 183, que estabeleceu as regras para a celebração do acordo de não persecução penal, caso em que seus defensores sustentam ser desnecessária a edição de lei específica para sua regulamentação, primeiramente porque, nos termos decididos na Ação Direta de Constitucionalidade n.º 12, foi definido que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possuía poder normativo, logo, igual poder também competiria ao Conselho Nacional do Ministério Público e, em segundo lugar, pelo fato de não se tratar de norma que afeta apenas o Direito Penal, mas também o Direito Processual Penal, sim, de política criminal (1).

Da mesma forma, a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta em Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa decorrente da previsão contida no artigo 5º, §6º, da Lei n.º 7.347/85 foi prevista na Resolução n.º 179/17 do CNMP.

Pois bem. Com relação às normas meramente procedimentais não há maiores celeumas na sua implementação por meio de resolução, no entanto, quando se analisa do ponto de vista da assunção de responsabilidades devem ser observados alguns pontos. Primeiramente porque o próprio texto faz expressa menção à lei, tanto que sua regulamentação estava prevista no mesmo texto, e um segundo ponto refere-se ao fato de que a imputação da responsabilidade importará em restrição temporária de direitos fundamentais, a exemplo da suspensão dos direitos políticos.

Nesse sentido, é de se observar que outros instrumentos que preveem medidas similares, a exemplo da Lei n.º 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, da Lei n.º 12.850/13, que dispõe sobre as organizações criminosas, em que o julgador pode deixar de aplicar a pena caso seja celebrado acordo de colaboração premiada que atenda aos requisitos previstos na referida lei, e ainda a Lei n.º 12. 846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mais conhecida como Lei Anticorrupção, foram regulamentas mediante lei.

Um outro questionamento também quanto aos limites da resolução para a regulamentação do acordo de não persecução civil diz respeito à prescrição, isso porque as causas de suspensão e interrupção da prescrição somente podem ser previstas por meio de lei e, tendo em vista que o acordo de não persecução cível é uma condição suspensiva, há necessidade de estabelecer como ficará a prescrição nesses casos, tanto que o Projeto de Lei n.º 3359/2019, em trâmite no Senado Federal, o qual propõe alterações na Lei n.º 8.429/92, prevê entre suas disposições hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição.

Nesse sentido, é importante resgatar que o texto original, aprovado pelo Congresso Nacional previa critérios para o ressarcimento integral do dano e o pagamento da multa, bem como outras normas referentes a celebração do acordo.

Assim, ainda que a consensualidade seja o caminho mais celebre e resolutivo para a solução de conflitos, inclusive os que se referem aos atos de improbidade administrativa, uma vez que proporcionam a recuperação mais rápidas de eventuais prejuízos causados ao patrimônio público, devem ser observados os limites de regulamentação por meio de resolução a fim de evitar ofensas aos direitos fundamentais.

 

(1) CABRAL. Rodrigo Leite Ferreira. Um Panorama sobre o acordo de não persecução penal (art. 18 da Resolução n.º 181/17 – CNMP, com as alterações da Resolução n.º 183/18 – CNMP) – versão ampliada e revisada. In Acordo de Não Persecução Penal. 3ª ed. Salvador. Ed. Juspodium. 2020.

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal–ESMA, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL e mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília–UNICEUB.

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