Opinião

Tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas na recuperação judicial

Autor

  • Bruno Pereira Portugal

    é advogado sócio-fundador do escritório Da Luz Advogados membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-ES especialista em Direito Societário e Direito Tributário pela FGV Direito-Rio e especialista em Recuperação Judicial e Falência pelo Instituto Brasileiro de Direito da Empresa (IBDE).

23 de abril de 2020, 14h43

O mundo inteiro assiste atônito a pandemia da Covid-19, o novo coronavírus que tem provocado diversas mortes países afora. No Brasil, em pouco tempo, já foram contabilizados quase 3 mil óbitos, sequer tendo chegado ao pico da curva epidemiológica. Não é exagero dizer que vivemos um verdadeiro drama de saúde pública.

As medidas de combate à propagação da Covid-19 incluem o distanciamento social e a restrição ao funcionamento de vários segmentos do comércio e serviços — sem nenhuma intenção de fazer juízo de valor sobre o acerto ou não das mesmas —, trazendo como reflexo direto e imediato uma devastação da economia. Inevitavelmente, empresas enfrentarão crise econômico-financeira, com demissões em massa e risco à continuidade do negócio. Quem mais sente tais consequências são as empresas de menor porte.

Para se ter ideia da delicadeza da questão, dados coletados pelo SEBRAE[1] em abril de 2018 informam que as micro e pequenas empresas constituíam 98,5% do total de empresas privadas do Brasil. Por certo, o panorama atual não é longe disso. Nesse contexto, é inegável a importância das mesmas em nosso cenário econômico.

Tamanho destaque fez com que o fomento das micro e pequenas empresas ganhasse estatura constitucional, com ordem para que a elas seja dispensado tratamento diferenciado e favorecido. É o que ressai do art. 146, III, “d”; art. 170, IX (que inclusive elevou tal tratamento à condição de princípio da ordem econômica); e art. 179; todos da Constituição Federal de 1988.

Em tempo de crise econômico-financeira, muito se fala em recuperação judicial. É que a legislação brasileira a prevê como um mecanismo de preservação da atividade empresarial, direcionado às empresas em tal estado. Com efeito, atendidos determinados requisitos de ordem subjetiva e objetiva, pelo citado instrumento, o empresário pode satisfazer seu passivo anterior ao pedido de recuperação judicial – à exceção dos que a ela não se sujeitam, como exemplos principais os créditos tributários e decorrentes de alienação fiduciária – no modo que dispuser um plano a ser oferecido aos credores.

A rigor, é nesse plano que são indicados os meios e as condições pelos quais se assentará a estratégia de soerguimento da empresa, sendo possível fixar carência, abatimento e prazo para pagamento de obrigações; reorganizações societárias; cessão de cotas/ações e alteração de controle societário; redução salarial, mediante negociação coletiva; dentre outras várias condutas.

O plano de recuperação judicial apresentado pelo empresário é colocado ao crivo exclusivo dos credores. Não cabe ao Poder Judiciário imiscuir em seu mérito, analisando os aspectos da viabilidade econômica da empresa. O STJ apenas permite que se faça o controle judicial de legalidade das cláusulas nele previstas, para evitar a aprovação de pontos que estejam em desconformidade com as normas legais. Os credores, portanto, são soberanos em relação à concessão da recuperação judicial em favor do empresário, que se dará com a concordância do plano.

Grande benesse da recuperação judicial é que, com o deferimento do processamento, há suspensão, por 180 dias, das ações e execuções em face do empresário, ressalvadas as que possuem por objeto créditos não sujeitos à medida, sendo vedada quanto a estas, contudo, durante aquele prazo, a venda ou retirada do estabelecimento dos bens de capital essenciais à atividade empresarial. Esse lapso é conhecido como stay period, tendo por ideia permitir a manutenção do patrimônio do empresário para a futura satisfação coletiva do seu passivo, em ordem a evitar que um credor persiga individualmente o seu direito.

Ocorre que a lei de recuperação judicial jamais cumpriu o mandamento constitucional de dispensar às micro e pequenas empresas tratamento diferenciado e favorecido. Ao revés, embora faculte a elas a apresentação de plano especial, este é mais gravoso, pois só permite parcelar o passivo em até 36 prestações, com obrigação de pagar a 1ª em no máximo 180 dias do pedido de recuperação judicial. Entretanto, não há tais restrições no plano ordinário, que, exceto quanto ao crédito trabalhista, pode prever parcelamento e carência ilimitadamente.

Para piorar, a adoção do plano especial não confere o stay period ao empresário. Sem falar que a objeção ao plano especial por mais da metade de qualquer das classes de crédito enseja a falência imediata, sendo vedada a realização de assembleia, como se dá em relação ao plano ordinário. A considerar que a assembleia é o ambiente propício para que os termos do plano sejam negociados com os credores, a micro e pequena empresa fica impedida no plano especial de ajustar suas condições, restando-lhe, se não aprovado, a direta falência.

Sensível à crise econômico-financeira ora experimentada, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.397/2020, de autoria do Deputado Federal Hugo Leal, com ações de caráter emergencial objetivando não somente prevenir a insolvência, como também relativizar algumas regras da recuperação judicial. E o que se pôde observar no seu texto é que a ausência de tratamento mais benéfico às empresas de menor porte não ficou despercebida.

É que, pelo projeto, passou-se a admitir no plano especial parcelamento do passivo em até 60 prestações, além do pagamento da 1ª parcela em no máximo 360 dias do pedido de recuperação judicial. Também se tornou inaplicável a norma que afasta o stay period do plano especial, assim como a que estabelece falência imediata em caso de sua não aprovação (a consequência prevista é a extinção do processo). Induvidosamente, tais medidas melhoram as condições da recuperação judicial das micro e pequenas empresas.

Registra-se, porém, que referidas alterações são meramente transitórias, com vigência até 31/12/2020 ou eventual prorrogação do estado de calamidade pública relativo ao Covid-19. Andará muito bem o Congresso Nacional se, ao deliberar sobre o projeto de lei em voga, tornar tais novidades legislativas perenes, em vez de provisórias.

Por que não minimizar a inexistência de tratamento diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas na recuperação judicial? Afinal, vem delas considerável contribuição para o movimento da roda da economia brasileira! É conveniente que o nosso Parlamento aproveite essa oportunidade.

Autores

  • Brave

    é advogado, sócio fundador de Da Luz Advogados, membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-ES, especialista em Direito Tributário e Direito Societário pela FGV Direito Rio; especialista em Recuperação Judicial e Falência pelo IBDE.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!