Direito em pós-graduação

Direito educacional em tempos de pandemia: normas de caráter temporário

Autor

  • Horácio Wanderlei Rodrigues

    é doutor e mestre em Direito pela UFSC com estágios de Pós-Doutorado em Filosofia/Unisinos e em Educação/UFRGS. Professor Permanente e Coordenador do PPGD/Univem e Professor Convidado do PPGD/Unicuritiba. Professor Titular (aposentado) do DIR/UFSC. Membro do Instituto Iberomericano de Derecho Procesal. Sócio fundador do CONPEDI e da ABEDi. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

23 de abril de 2020, 9h29

ConJur
Este artigo visa elucidar os principais pontos constantes das normas editadas adotando procedimentos temporários, no âmbito da educação superior, durante o período de duração da pandemia de Covid-19:

  • Portarias MEC nº 343/2020, nº 345/2020 e nº 395/2020 – substituição das aulas presenciais por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação – neste artigo denominadas de aulas remotas –, ou, alternativamente, sua suspensão;

  • Portaria CAPES nº 36/2020 – suspensão dos prazos para defesa presencial de dissertações e teses e possibilidade de realização de bancas por meio de tecnologias de comunicação à distância;

  • Medida Provisória nº 934/2020 – redução do número mínimo de dias letivos.

O primeiro conjunto de documentos autoriza, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas remotas. Essa substituição só é aplicável às disciplinas “em andamento” na data da edição na norma, conforme está expresso no artigo 1º da Portaria MEC nº 343/2020 – com a redação que lhe foi atribuída pela da Portaria MEC nº 345/2020. Disciplinas previstas como presenciais no PPC e iniciadas posteriormente à data da publicação da Portaria retificadora – 19 de março – estão excluídas dessa possibilidade de substituição.

A Portaria MEC nº 343/2020 – retificada pela Portaria MEC nº 345/2020 e prorrogada pela Portaria MEC nº 395/2020 – possui aplicação genérica, para todos os cursos superiores do sistema federal de educação, incluída a Pós-Graduação Stricto Sensu. O texto legal não faz referência a qualquer espécie de curso ou inclui qualquer restrição expressa.

A versão original do texto do artigo 1º da Portaria MEC nº 343/2020 continha a restrição “nos limites estabelecidos pela legislação em vigor”. Essa expressão foi suprimida do texto pela Portaria MEC nº 345/2020. Não é possível deixar de atribuir sentido à essa supressão. Fosse para manter o alcance original inalterado, não teria havido a exclusão dessa limitação. A interpretação que impõe é que a substituição – de aulas presencias por aulas remotas – tem como limitação apenas o período temporal estabelecido na Portaria e não as limitações, em percentuais, previstas na Portaria nº MEC 2.117/2019 – que estabelece o limite de 40% da carga horária total dos cursos presenciais para a oferta de disciplinas na modalidade EaD.

É importante considerar que o objetivo da norma é permitir que o processo de ensino-aprendizagem tenha prosseguimento durante o período da pandemia. Limitar essa possibilidade ao percentual já autorizado em legislação específica, excluiria do seu alcance as instituições que já utilizam o percentual máximo na organização de seus cursos. Da mesma forma, excluir dessa autorização a pós-graduação, seria impor um grande prejuízo aos milhares de pós-graduandos de todo o país que teriam de interromper seus estudos. Assim, a atribuição de sentido amplo ao texto legal, é a que melhor coaduna com seus objetivos.

O prazo original para a substituição das aulas presencias por aulas remotas, de “até trinta dias, prorrogáveis”, encerrou em 18 de abril – prazo contado da data da publicação da Portaria MEC nº 345/2020, que modificou o texto da Portaria original. Em 16 de abril foi publicada a Portaria MEC nº 395/2020, cujo conteúdo se restringe a prorrogar, “por mais trinta dias”, o prazo estabelecido no parágrafo 1º – do artigo 1º da Portaria nº 343/2020 –, passando, o prazo de validade da autorização, para substituição das aulas presenciais por aulas remotas, para 18 de maio.

Referido dispositivo legal contém, além desse prazo, um outro elemento que precisa ser considerado, qual seja o da competência para definir novas prorrogações. Relativamente ao regramento do sistema federal de educação, essa competência é exclusiva da União. Quando o texto legal estabelece “prorrogáveis, a depender de orientação do Ministério da Saúde e dos órgãos de saúde estaduais, municipais e distrital”, está apenas estabelecendo que novas prorrogações, por ato do MEC, ficam da dependência das decisões, na área de saúde, tomadas pelos órgãos responsáveis. Isso significa que a orientação desses órgãos, no sentido de manter, ou não, o isolamento social, será considerada pelo MEC para prorrogar, ou não, o prazo. Não significa que esses órgãos – em especial os estaduais e municipais – possam, eles mesmos, prorrogar ou reduzir esse prazo. Também não significa que o MEC, necessariamente, prorrogará o prazo com base em decisões locais de manutenção de fechamento das instituições educacionais.

Há duas situações distintas que devem ser compreendidas: a autorização para substituição de aulas presenciais por aulas remotas no âmbito do sistema federal de ensino; e o estabelecimento de regras de isolamento social e de funcionamento das IES. Para a primeira, a competência de regramento é exclusiva da União. Para a segunda, nos termos da recente decisão do STF, a competência é concorrente, podendo os municípios, no seu âmbito territorial, estabelecerem normas mais restritivas – mas não menos restritivas – que os estados-membros e a União; e podendo, os estados-membros, no seu âmbito territorial, definirem restrições maiores do que a União – mas não menores.

Essa diferenciação importa porque é possível ocorrer que um determinado município, ou estado-membro, estabeleça um prazo de proibição de funcionamento das IES, em seu território, mais longo do que o prazo de substituição estabelecido pela União. Embora as orientações dos órgãos de saúde, nos termos do parágrafo 1º do artigo 1º, devam ser consideradas pela União, não há uma imposição no sentido de que obrigatoriamente o sejam. Nessa situação, as IES, integrantes do sistema federal de educação, sediadas em município, ou estado-membro, que tenha adota prazo de proibição maior, estarão impedidas de retomar suas atividades. E sem prorrogação da autorização para substituição das aulas presenciais por aulas remotas, por parte da União, estarão igualmente impedidas de utilizar essa alternativa.

Nessas situações, como naquelas em que a IES optou por não utilizar a autorização legal para substituir as aulas presenciais por aulas remotas, a solução é trazida pelo artigo 2º da Portaria MEC nº 343/2020. Esse dispositivo estabelece que as IES, no âmbito de sua autonomia, poderão escolher entre: substituir as aulas presencias por aulas remotas; ou suspender as atividades acadêmicas presenciais, pelo mesmo prazo – que, como já referido anteriormente, com a prorrogação já adotada é de sessenta dias, findando em 18 de maio.

Ressalte-se que esse prazo de suspensão se refere àquele adotada por decisão da instituição. Havendo proibição de funcionamento, por ato municipal ou estadual, as atividades presenciais permanecerão suspensas, mesmo vencido esse prazo, independentemente de autorização oriunda da União – mas não poderá mais ocorrer a substituição das aulas presenciais por aulas remotas. O parágrafo 2º – do artigo 2º da Portaria MEC nº 343/2020 – permite, ainda, a alteração do calendário de férias. Nessa situação, a IES antecipa as férias de escolares, repondo as atividades nas datas originariamente a elas destinadas.

Os parágrafos 1º e 2º – do artigo 2º da Portaria MEC nº 343/2020 – estabelecem a necessidade de reposição integral: dos dias letivos estabelecidos na LDB; e das cargas horárias dos cursos. Relativamente às cargas horárias, o número de horas a ser obrigatoriamente cumprindo é o estabelecido no PPC, mesmo que superior ao número mínimo de horas definido nas respectivas DCNs. Relativamente ao número de dias letivos há, em tramitação no Congresso Nacional, a MP nº 934/2020, que estabelece, em seu artigo 2º, caput, que as IES “ficam dispensadas, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico”.

Esse dispositivo dispensa expressamente as IES do cumprimento do número mínimo de dias letivos, mas não contém qualquer referência relativamente ao cumprimento da carga horária. Já o parágrafo único – do artigo 2º da MP nº 934/2020 – e seus incisos contêm uma exceção que permite, especificamente para os cursos da área de saúde, uma redução de carga horária. Nesse sentido, indicam que a supressão de um percentual, ou quantidade de horas, depende de disposição expressa. Ou seja, não havendo disposição expressa, impõe-se a reposição.

É possível, entretanto, que norma específica venha a autorizar também essa redução – a parte final do texto do parágrafo único estabelece que a dispensa de cumprimento dos dias letivos será realizada “observadas as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino”. Não havendo nenhuma nova norma oriunda dos órgãos competentes – para o sistema federal de ensino, MEC e CNE –, mantém-se a obrigatoriedade estabelecida na parte final dos parágrafos 1º e 2º do artigo 2º da Portaria MEC nº 343/2020 – cumprimento da carga horária estabelecida na legislação em vigor.

A possibilidade de abreviar o tempo de duração e, dessa forma, também a carga horária dos cursos de medicina, enfermagem, fisioterapia e farmácia prevista no parágrafo único e seus parágrafos – do artigo 2º da MP nº 934/2020 – é uma especificidade destinada a inserir no mercado de trabalho, de forma antecipada, novos profissionais da área de saúde. Essa antecipação da formatura fica, entretanto, a critério de cada instituição. A norma é expressa no sentido que a IES “poderá abreviar a duração cursos”. Não contém, nesse sentido, um direito subjetivo do aluno à colação antecipada de grau.

Retomando a Portaria MEC nº 343/2020, ela, no parágrafo 2º do artigo 1º, atribuí às IES autonomia na definição das disciplinas nas quais ocorrerá a substituição das aulas presenciais por aulas remotas. Da mesma forma, é de responsabilidade das IES a “disponibilização de ferramentas aos alunos que permitam o acompanhamento dos conteúdos ofertados bem como a realização de avaliações” durante o período em que essa substituição ocorrer. Isso implica que as escolhas recaem integralmente sobre as IES, no exercício de sua autonomia. Da mesma forma, as responsabilidades pelas escolhas adotadas.

Optar, por exemplo, pela substituição das aulas presenciais, por aulas remotas síncronas, utilizando programas de videoconferência, significa manter calendários e horários, pagamentos de horas-aulas integrais aos docentes – que estarão cumprindo exatamente os mesmos horários letivos que cumpririam nas aulas presenciais – e cobrança integral de mensalidades. A adoção de modelos assíncronos, como comumente ocorre nos cursos que utilizam EaD, terá outra espécie de consequência. É importante lembrar que se está falando de substituição temporária de atividades presenciais em cursos originariamente presenciais.

Ainda no âmbito da Portaria MEC nº 343/2020 – com modificações introduzidas pela Portaria MEC nº 345/2020 – há o tratamento diferenciado dado às práticas profissionais. Essa matéria é objeto do artigo 1º, em seus parágrafos 3º e 4º. O parágrafo 3º proíbe expressamente a substituição de aulas presenciais por aulas remotas nas “práticas profissionais de estágios e de laboratório”. Já o parágrafo 4º estabelece que, no Curso de Medicina, essa substituição apenas poderá ocorrer nas “disciplinas teóricas-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso”.

O dispositivo que trata especificamente do Curso de Medicina não oferece maior margem de interpretação: as disciplinas teóricas podem ser substituídas; o internato – que ocorre nos dois últimos anos – não pode. A dúvida reside no alcance do conteúdo do parágrafo 3º. Esse dispositivo veda, expressamente a substituição das práticas profissionais – realizadas em laboratórios ou através de estágios – por atividades remotas. A utilização da expressão substituição indica que aquelas atividades práticas que já ocorriam de forma remota podem e devem ser mantidas – nelas não há substituição. Não se pode atribuir à proibição um alcance maior do que ela contém.

Essa situação pode ser melhor compreendida olhando para um curso e situação específicos. Nos Cursos de Direito existe o NPJ. Nele há atividades de prática profissional que são presencias, como o atendimento de partes que ocorre nos serviços de assistência jurídica mantidos pelas respectivas IES. Esse atendimento, sendo previsto no PPC e regrado no Regulamento do NPJ como presencial, não poderá ser substituído por atividade remota. Mas, em sentido diverso, se o PPC – e a devida regulamentação – estabelecem um serviço de atendimento virtual, já em funcionamento antes da pandemia e da edição da Portaria MEC nº 343/2020, nenhum impedimento há no sentido de que essa atividade de aprendizado de práticas profissionais se mantenha. Da mesma forma, a proibição não alcança a prática dos atos que integram o Processo Eletrônico que, pela sua própria natureza, são realizados de forma remota.

Na seara específica da Pós-Graduação Stricto Sensu é importante destacar, ainda, a Portaria CAPES nº 36/2020. Essa Portaria contém um conjunto de recomendações que pode ser apresentado da seguinte forma: suspensão, por sessenta dias – até 19 de maio –, dos prazos de defesa presencial de dissertações e teses; possibilidade dessas defesas ocorrerem com a utilização de tecnologias de comunicação à distância, quando admissíveis pelos respectivos Programas e nos termos da sua regulamentação pelo MEC; recomendação, às IES que não possuem previsão de defesas não presenciais em seus Programas, que adotem, em caráter excepcional, as providências necessárias para viabilizá-las.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).

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    é doutor e mestre em Direito pela UFSC, com estágios de Pós-Doutorado em Filosofia/Unisinos e em Educação/UFRGS. Professor Permanente e Coordenador do PPGD/Univem e Professor Convidado do PPGD/Unicuritiba. Professor Titular (aposentado) do DIR/UFSC. Membro do Instituto Iberomericano de Derecho Procesal. Sócio fundador do CONPEDI e da ABEDi. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

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