Direitos do réu

Suprema Corte dos EUA reverte precedente em decisão com implicações políticas

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22 de abril de 2020, 9h15

A Suprema Corte dos EUA decidiu, na segunda-feira (20/4), que veredictos do júri têm de ser unânimes — e não por maioria — nos casos de crimes sérios. Isso é um requisito do direito constitucional do réu a um julgamento imparcial, diz a decisão. Se o júri for indeciso, o julgamento será anulado. E um novo julgamento será marcado, com jurados diferentes.

PETER LAKOMY
Peter LakomySuprema Corte dos EUA admitiu que precedente de 1972 foi um erro

A decisão, no que se refere a veredictos unânimes, afeta apenas dois dos 50 estados americanos: Louisiana e Oregon. Nos demais 48 estados e na justiça federal já é assim. O mais importante da decisão de seis votos a três é a de que ela reverteu um costume da Suprema Corte de não rever seus próprios precedentes.

A decisão indicou que, a partir de agora, a corte, com maioria conservadora, poderá reverter outras decisões do passado, o que agradaria muito os conservadores-republicanos do país. A corte abriu caminho para reverter, por exemplo, as decisões que legalizaram o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e outras relacionadas a liberdades religiosas e ao direito ao voto.

Curiosamente, três ministros liberais se aliaram a três ministros conservadores para formar a maioria nessa decisão. E uma ministra liberal se somou a dois ministros conservadores no voto dissidente. Os ministros dissidentes defenderam, entre outras coisas, a adesão da corte a seus próprios precedentes.

No voto da maioria, que mudou um precedente de 1972, o ministro Neil Gorsuch escreveu: "Todo juiz deve aprender a viver com o fato de que ele ou ela pode cometer erros. Mas é uma coisa completamente diferente perpetuar um erro, apenas porque tememos as consequências de fazer a coisa certa."

Para mostrar que a decisão de 1972 foi errada, Gorsuch descreveu a história por trás das leis nos dois estados. Em Louisiana, a regra de que o veredicto do júri poderia ser por maioria — e não por unanimidade — foi inscrita na Constituição estadual em 1898, depois que a Suprema Corte decidiu que as minorias raciais não poderiam ser barradas do júri.

A nova regra fez parte de um pacote de emendas constitucionais que tornaram mais difíceis para os cidadãos negros votarem e participar, de alguma forma, da governança do estado. Especificamente, a provisão sobre o veredicto não unânime passou a garantir que a participação de uma ou duas pessoas de cor no júri não tivesse qualquer significado, porque a maioria branca de jurados poderia garantir um veredicto por 10 a 2, escreveu Gorsuch.

Esse foi o caso do atual processo perante a Suprema Corte. Em 2014, Evangelisto Ramos foi condenado por um júri de 12 membros por 10 a 2, por um suposto crime de homicídio. Ele foi sentenciado à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. Agora, ele terá direito a novo julgamento.

Em Oregon, as raízes da lei que criou o veredicto do júri por maioria, em vez de por unanimidade, também podem ser rastreadas aos tempos de grandes conflitos raciais, em que a Ku Klux Klan tinha muita influência. Com essa lei, os racistas diluíram a influência de minorias raciais, étnicas e religiosas nos júris do estado, escreveu o ministro.

Em Louisiana, a decisão da Suprema Corte vai anular cerca de 100 condenações, que ainda estão em grau de recurso. A corte ainda vai decidir se sua decisão é retroativa ou não. Se for retroativa, pelo menos 1.700 prisioneiros no estado terão direito a novo julgamento – desta vez com direito a veredicto por decisão unânime do júri.

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