Direto do Carf

Novo alcance do voto de qualidade e alguns questionamentos jurídicos decorrentes

Autores

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

22 de abril de 2020, 8h00

Spacca
Spacca
Parece-nos que os grandes questionamentos sobre o Carf, atualmente, estão
direcionados ao futuro, e não ao passado. Na coluna de hoje, vamos nos debruçar sobre a
recente mudança legislativa que inseriu o art. 19-E na Lei nº 10.522/02, verbis::

"Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”

Antes da sanção presidencial, já nos manifestamos1 acerca da pertinência de tal medida, identificando o problema do Carf no abuso do voto de qualidade no âmbito da CSRF, demandando alterações regimentais voltadas a reforçar a imparcialidade e a técnica nos julgamentos daquele Colegiado, sem necessidade de abandonar o modelo atual2.

Em todo caso, o objetivo hoje não é mais nos debruçarmos sobre a pertinência da medida, mas analisá-la sob o prisma do jurídico-positivo, pela sua validade e eficácia, bem como pontuar os problemas que podem surgir na sua aplicação.

Nesse sentido, o primeiro aspecto que merece análise diz respeito à sua constitucionalidade formal.

O referido dispositivo foi incluído no PLV nº 02/2020 (derivado da MP nº 899/2019), por meio da Emenda Aglutinativa nº 01, apresentada pelo Dep. Hildo Rocha (MDB-MA), visando aglutinar os textos das emendas nº 9 e 162 ao referido PLV. Nos termos do art. 118, §3º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a emenda aglutinativa é aquela “que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos respectivos objetos”.

A questão exsurge da incongruência entre a versão original da Emenda nº 09, de autoria do Dep. Heitor Freire (PSL/CE), e a versão aglutinada ao PLV nº 02/2020, aprovada pelo Congresso. Vejamos o teor da redação original, a ser cotejado com aquele reproduzido acima, verbis

“Art. 19-E. Se o processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário resolver-se favoravelmente à Fazenda Nacional, em virtude do voto de qualidade a que se refere o § 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, a multa de que trata o § 1º do artigo 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 (multa qualificada), e as demais multas de ofício serão substituídas pela multa de mora conforme o artigo 61 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”

A emenda original, como se vê, estabelecia, na hipótese desempate por meio do voto de qualidade, o afastamento da multa qualificada e das demais multas agregadas ao crédito tributário principal, substituídas pela multa de mora, sem afetar os tributos cobrados.

Nessa linha, a justificativa para a Emenda nº 09 era dar “concretude efetiva (prática) ao que prevê o art. 112 do CTN”34 – não à toa que este dispositivo, por sua vez, foi inserido, no projeto do CTN, para consagrar expressamente o princípio da equidade em matéria penal-tributária5, visto que a sua aplicação (da equidade) para a dispensa do tributo era rechaçada pelo art. 75, §2º do projeto (atual art. 108, §2º, do CTN).

Entretanto, a Emenda Aglutinativa nº 01, sem qualquer justificação, promoveu a alteração na redação original para aquela aprovada, ultrapassando a própria finalidade desse instrumento legislativo, e introjetando no texto final conteúdo alheio à Emenda Aditiva original, o que nos parece qualificar vício de procedimento legislativo.

Mais ainda, durante os debates, registrados em notas taquigráficas6, o voto de qualidade foi abordado em apenas duas oportunidades: i) o Dep. Arthur Lira (PP-AL) faz referência a um acordo que envolveu “a questão das matérias relativas às multas do Carf — Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e do seu voto de qualidade”; e ii) pelo Dep. Vitor Hugo (PSL-GO) remete a tratativas com o Presidente da República, que garantiriam a “sanção em relação a essa parte específica da emenda aglutinativa que trata da mudança do voto de qualidade, saindo do Fisco para os contribuintes”.

Veja-se que peculiar: o primeiro parlamentar faz referência às multas no Carf e a sua relação com o voto de qualidade, ignorando a substanciosa alteração no dispositivo, ou considerando o seu teor original em sua manifestação. Causa igual espécie o segundo, ao afirmar a mudança do voto de qualidade para os contribuintes. Ora, a um, não se franqueou o uso do instrumento a um representante dos contribuintes, mas sim se estabeleceu critério apriorístico de desempate; e, a dois, assumiu-se o pressuposto equivocado de que todos os empates seriam favoráveis a Fazenda Nacional, o que não é verdade.

Como se vê, o próprio debate (?) legislativo se caracterizou pelo alheamento parlamentar em relação ao efetivo teor da proposta e o contexto atual do órgão.

Outro aspecto formal relevante decorre de debatida (in)existência de pertinência temática do dispositivo objeto da Emenda nº 09 em relação à MP nº 899/2019, que versara, expressamente, sobre a regulação do art. 171 do CTN, que prevê a transação tributária. Questão análoga foi enfrentada pelo STF no âmbito da ADI nº 5.1277, oportunidade em que, com efeitos ex nunc, vaticinou não ser compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida a sua apreciação.

Importante registrar que, no julgamento da ADI em questão, o STF não adentrou na delimitação da amplitude semântica do termo “pertinência temática”8, não resolvendo a problemática de sua elasticidade. Nesse sentido, alguns enxergaram na Emenda a pertinência temática com o texto da MP nº 899/2019, já que ambas tratam de hipóteses de extinção do crédito tributário910, nos termos do art. 156 do CTN. Por sua vez, outros entenderam pela impertinência da Emenda, vez que trata de regra procedimental para fins de desempate de julgamento em órgão colegiado, não tendo relação com o art. 171 do CTN (invocado nas razões da MP) e a transação.

Um exemplo pode ajudar a contextualizar o problema. Imaginemos que uma MP resolvesse alterar o regime da coisa julgada no CPC, e que fosse introduzida Emenda alterando as hipóteses de recurso em sentido estrito no CPP. Diante deste quadro hipotético, pergunta-se: o fato de ambas as normas apresentarem natureza processual dá pertinência temática à Emenda?

O risco da resposta afirmativa para tal indagação é dar uma abrangência tão elástica para a expressão “pertinência temática” que a decisão do STF se tornaria inócua, ou restrita a casos teratológicos.

Parece-nos que um critério objetivo possui natureza relacional, é dizer, decorre do cotejo entre o conteúdo original da MP e da correlata Emenda, vis a vis de suas justificativas legislativas11. Em outras palavras, não há que se comparar a pertinência da MP e da Emenda com um terceiro conjunto de normas, mas entre si, à luz da exposição de motivos. No caso em questão, essa análise implicaria reconhecer a inexistência de qualquer nexo entre o 17112 e 112 do CTN, tampouco em relação ao procedimento administrativo regulado pelo Decreto nº 70.235/72.

Não obstante, superadas tais questões e partindo do pressuposto da validade formal da lei, convém agora analisar a eficácia do novel dispositivo.

O primeiro ponto a ser debatido é saber o seu alcance. Ressalte-se que a novel sistemática se direciona, literalmente, ao processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário.

Nesse sentido, partindo do sentido literal, que vincula imediatamente os aplicadores, estariam foram dessa nova sistemática do voto de qualidade aqueles processos administrativos que versarem a respeito de créditos não-tributários, como as sanções de aduaneiras (v.g., pena de perdimento convertida em multa) e medidas antidumping.

A ilação cabe também aos processos decorrentes de manifestação de inconformidade, em razão da não homologação de PER/DCOMP, já que não se estaria diante de processo de determinação e exigência do crédito tributário, mas sim da apuração da validade de crédito do contribuinte perante o Fisco. Ressalte-se, inclusive, que o procedimento administrativo da manifestação de inconformidade não advém diretamente do Decreto nº 70.235/72, mas sim do art. 74, §11º, da Lei nº 9.430/9613, que por sua vez remete exclusivamente ao rito do referido Decreto, que não foi revogado, mas sim excepcionado pela Lei nº 13.988/20, para os casos que dispôs, seguindo vigente, atualmente, dois regimes distintos de resolução de empates de julgamento no Carf.

E quanto aos casos em que a não homologação de diversas DCOMPs, todas discutidas administrativamente, gerou um auto de infração para cobrança do tributo e multa relativos a todos os créditos compensados? Tendo em vista que o julgamento dos processos das DCOMPs é prejudicial à análise do auto de infração, seria possível que, tendo o contribuinte perdido em todos esses processos por voto de qualidade, ele viesse a ter um empate que lhe favorecesse no sucessivo julgamento do auto de infração? Em outras palavras: poderia o Estado, por meio do Carf, afirmar que o contribuinte não possui o crédito compensado, ao passo que lhe exime do pagamento do tributo compensado com os créditos inexistentes?

Além disso, como o dispositivo exige procedimento de “determinação e exigência”, a priori outros casos fora do alcance dele seriam os autos de infração sem exigência de crédito tributário, como nos casos de glosa de prejuízo fiscais, quando o contribuinte ainda tenha saldo suficiente a ser utilizado, não gerando crédito exigível no exercício autuado, mas apenas em eventual exercício futuro.

Frise-se que a interpretação feita acima é literal, sem pretender estender ou restringir o significado próprio ou usual do texto normativo (sentido prima facie)14, e não reducionista15, como defendem alguns. Mormente em disposição como esta, descolada em relação à exposição de motivos da Emenda e os debates legislativos, há a necessidade de uma aderência do intérprete ao sentido objetivo do texto posto.

A alternativa para alcançar as situações apontadas acima seria uma interpretação analógica do dispositivo, pautada pela ideia de igualdade, considerando-se que o art. 111, inc. I, do CTN, impõe a interpretação literal apenas às causas de suspensão e exclusão do crédito tributário, mas não de extinção.

Essa leitura, entretanto, suscitaria outro conflito a ser resolvido: considerando que o novo artigo, tem seu fundamento expresso no art. 112 do CTN, que por sua vez se baseia no princípio da equidade (v. nota 5), o seu teor conflitaria com o disposto no art. 108, §2º do CTN16, que veda a dispensa do tributo devido diretamente com base nesse fundamento (fica ressalvada a hipótese do art. 172, IV, do CTN17, que trata da remissão baseada em juízo de equidade, dependendo de lei específica e despacho da autoridade administrativa).

Outro ponto polêmico: o art. 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo pode ser tanto o contribuinte, que realiza o fato gerador, quanto o responsável, por força de lei. Por outro lado, o novel art. 19-E estabelece que o empate resolva o processo “favoravelmente ao contribuinte”. Normalmente, sendo favorável o julgamento ao contribuinte, o resultado se estenderia aos responsáveis, encerrando o processo; entretanto, há casos em que o mérito é julgado desfavorável,  por maioria ou unanimidade. A estes casos, seria aplicável o art. 19-E
para as votações da imputação de responsabilidade?

Por um lado, poder-se-ia arguir que que foi uma impropriedade técnica do legislador, dando uma “interpretação corretiva” da expressão utilizada — a despeito de coligir indícios dessa intenção legislativa. Por outro, entretanto, a interpretação literal é corroborada pela distinção rigorosa que o CTN estabelece entre as duas espécies de sujeição passiva, em todas as suas utilizações.

Não obstante, há ainda outras duas questões pertinentes, reflexas do emprego do atual critério de desempate.

A primeira delas é: na hipótese de decisão favorável ao contribuinte, por empate, pode a União se socorrer do Poder Judiciário, para promover uma ação anulatória do ato praticado pelo Carf?

Embora haja quem defenda que sim, nossa posição é de que tal ação é impossível sob o ponto de vista processual. Para que seja possível uma ação é mister a existência de um direito material lesado ou ameaçado de lesão (necessidade da tutela jurisdicional) e que a tutela a ser vindicada seja útil para impedir a aludida lesão ou para reestabelecer o direito material já lesado. É por isso que uma relação processual é sempre bilateral, já que a relação que a pressupõe — de direito material —, também apresenta esse caráter, vez que ninguém pode, ao mesmo tempo, ser detentor e ofensor de um direito.

Assim, a citada ação anulatória seria de impossível ajuizamento, já que a decisão proferida pelo Carf é, em última análise, uma manifestação da própria União. Logo, não poderia este Ente litigar contra si mesma, por ausência absoluta de interesse processual. E nem se alegue que tal ação poderia ser promovida contra o contribuinte beneficiado com a decisão proferida pelo Tribunal, já que a legitimidade processual passiva cabe àquele que lesa ou ameaça de lesão um direito material, o que, na hipótese versada, não pode ser atribuído ao contribuinte, mas sim ao órgão federal que exonerou a exigência. Em outros termos, o ato supostamente lesivo do pretenso crédito tributário é praticado pela União e não pelo contribuinte.

Portanto, salvo futura alteração legislativa, não vislumbramos o cabimento de ação anulatória, à luz do CPC/2015.

E a aplicação retroativa do dispositivo, aos casos já definitivamente julgados no Carf?

Algumas têm sustentado a retroação, em face da “fundamentação” no art. 112 do CTN, o que lhe daria um suposto status de norma de direito material, invocando sucessivamente o art. 106, II, do CTN. Tal posição, todavia, olvida todo o imbróglio ocorrido no procedimento legislativo acima destacado, bem como o disposto no art. 3º e 108, §2º, ambos do CTN, que rechaçam o tratamento do tributo como penalidade e afastam a aplicação de equidade para sua exoneração, afastando o art. 112 do mesmo Código.

Quanto a um argumento secundário de retroação apenas para as infrações, encontraria possível óbice na circunstância dos tipos infracionais restarem incólumes – não há, no jargão penal, abolitio total ou parcial. O que há, com a nova regra, é uma predeterminação acerca da valoração dos fatos postos sob julgamento, em caso de empate, que deverá se dar favoravelmente ao contribuinte.

Um exemplo simples: uma determinada multa, em casos análogos, foi mantida por voto de qualidade em um caso, e por unanimidade em outro, por turmas distintas — nesse caso, aplicando-se a pretendida retroatividade, se beneficiaria apenas o primeiro deles, o que evidencia que não há retroação de legislação que estabelece sanções, como exige o art. 106, II, do CTN e o art. 5º, XL, da CF/88, mas se busca retroagir uma presunção relativa à valoração dos fatos, pra requalificar aqueles que já foram definitivamente julgados.

Tampouco há que se pugnar a retroação a casos julgados, mas cuja decisão não foi notificada ao contribuinte ou cuja ata de sessão não tenha sido publicada. O que marca o encerramento do julgamento e a aplicação do critério de desempate vigente é a proclamação do resultado, nos termos do art. 58, §3º, do Anexo II do RICARF. Naturalmente, caso ainda caibam Embargos de Declaração ou Recurso Especial, o novo critério estabelecido poderá ser aplicado nas demais fases processuais.

Em todo caso, em nossa opinião, tal dispositivo tem natureza processual, vez que seu objetivo é estabelecer um critério para resolução do julgamento de um órgão colegiado quando tal decisão resta empatada. O legislador o prescreveu, para proclamar o resultado em favor do contribuinte, mas poderia ter escolhido, v.g., a técnica do voto médio, ou a manutenção do voto de qualidade nas mãos de um representante do contribuinte. E, diante disso, é pacífico que a normas processuais têm aplicação imediata para os atos pendentes, mas não para aqueles já praticados.

Além dessas, mais imediatas, certamente surgirão inúmeras outras questões da aludida alteração legislativa, as quais só serão resolvidas no âmbito da realização prática do Direito, seja no debate no âmbito do Carf, seja mediante a sua judicialização. Olhos fitos no futuro do Tribunal, é preciso refletir sobre os novos desafios que o modelo irá impor!


1 https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/direto-carf-voto-qualidade-nao-problema-carf

2 Na famosa expressão, “não se abatem pardais com tiros de canhão”.

 3 Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: (…).

4 Em nossa opinião a redação original da emenda aglutinativa seria extremamente salutar para trazer um equilíbrio ao uso do voto de qualidade.

5 “O art. 78 [atual art. 112 do CTN] determina, fixando-lhe ao mesmo tempo os limites, a interpretação das disposições penais pela forma mais favorável ao acusado. Corresponde ao art. 273 do Anteprojeto e consagra princípio de equidade, pacífico na jurisprudência fiscal (…)” (MINISTÉRIO DA FAZENDA. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954, p. 184).

6 Disponíveis no link: https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/59509

7 ADI 5127, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2015.

8 Aliás, será que caberia ao STF fixar um conceito abstrato para tal expressão ou tal pertinência deve, necessariamente, ser fixada no âmbito prático de realização do Direito?

9 Como defendeu a OAB Federal, em nota pública de 16/04/2020 a respeito do tema.

10 A defesa de um conceito amplo de pertinência temática, com o qual não concordamos, daria sustentáculo também à Emenda nº 53, apresentada na MP nº 952/2020, com a finalidade de pôr fim à estrutura paritária no CARF, por meio de uma MP que trata de pagamento de tributos. Ora, ambos tratam, em certa medida, sobre meios de extinção do crédito tributário, mas não há qualquer vínculo de pertinência de um em relação ao outro!

11 Lembrando que essa foi a justificativa legislativa para a MP 899/2019:

As alterações propostas visam suprir a ausência de regulamentação, no âmbito federal, do disposto no art. 171 do Código Tributário Nacional e de disposições que viabilizem a autocomposição em causas de natureza fiscal, contexto esse que tem, respectivamente, impedido maior efetividade da recuperação dos créditos inscritos em dívida ativa da União, por um lado, e resultado em excessiva litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias, noutra senda, com consequente aumento de custos, perda de eficiência e prejuízos à Administração Tributária Federal.

12 Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

13 Art. 74. (…) § 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação.

14 Nesse sentido, v. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p.95-97. Esse sentido de “interpretação literal”, inclusive, foi adotado na elaboração do CTN, em especial na redação do art. 111, como relatado por Carlos da Rocha Guimarães (Cf. GUIMARÃES, Carlos da Rocha. “Interpretação literal das isenções tributárias”. In BALEEIRO, Aliomar et al. Proposições tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p.57-58), e é adotado, atualmente, pelo STJ (v. REsp 1.517.703/RS e REsp nº 1.116.620/BA). O tema já foi por nós abordado em outro artigo, disponível em https://ibdt.org.br/RDTA/40-2018/a-in-srf-n-1-769-2017-e-a-isencao-do-ipi-na-aquisicao-de-veiculos-por-deficientes/.

15 Rigorosamente, a interpretação reducionista ou restritivista visaria eliminar algum dos sentidos possíveis do termo, e não incorporar sentidos novos, sem vinculação com o texto original, que é o que sustentam os que buscam uma aplicação ampla do novo dispositivo – essa operação seria uma aplicação analógica.

 16 Art. 108. (…). § 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

17 Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: (…) IV – a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;

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    é advogado tributarista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia e Consultoria Tributária, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet.

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    é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação."

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