Opinião

Mensalidades escolares e a Covid-19

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21 de abril de 2020, 8h12

A mudança abrupta no contexto social em decorrência da pandemia do novo coronavírus é realidade no mundo inteiro. Medidas de enfrentamento à proliferação desse vírus, como determinações de isolamento social, foram adotadas pelo Brasil e por vários países.

Como consequência dessa nova realidade, as pessoas e as organizações precisam se adaptar e se reinventar para evitar a interrupção da prestação e do fornecimento de bens e serviços à sociedade.

Na seara da educação, creches, escolas de ensino básico e técnico, faculdades, universidades e centros universitários precisaram ser fechados em razão das determinações de isolamento. Por meio da Portaria nº 343, o Ministério da Educação determinou a substituição das aulas presenciais por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação (acesso remoto).

Em decorrência disso, as instituições de ensino se adaptaram e estão utilizando a tecnologia, por meio de plataformas digitais, para continuar a prestação dos serviços educacionais. Assim, o serviço continua a ser prestado, ainda que não na modalidade contratada pelas partes, qual seja, a presencial.

Essa adaptação provocou uma série de questionamentos e posicionamentos tanto das partes envolvidas na relação contratual instituições e alunos — quanto de pessoas alheias a essa relação. Nesse sentido, a redução das mensalidades escolares tem sido muito discutida e é o objeto de projetos de lei de vários estados-membros, por meio das Assembleias Legislativas Estaduais, e da União Federal por meio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

No estado do Pará, a Assembleia Legislativa aprovou no dia 8 deste mês o Projeto de Lei nº 74/2020, que determina a redução de, no mínimo, 30% no valor das mensalidades pertinentes à prestação de serviços educacionais da rede privada (educação infantil, ensino fundamental, médio e superior) enquanto perdurarem as medidas de enfrentamento da Covid-19. O projeto aguarda sanção ou veto do governador.

Além do Pará, o Distrito Federal e os estados de Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Pernambuco também possuem projetos de lei no mesmo sentido.

No âmbito da União, de iniciativa da Câmara dos Deputados há o PL nº 1119/20, que determina a redução de, no mínimo, 30% dos valores das mensalidades escolares das instituições de ensino fundamental e médio e o PL nº 1108/20, que estabelece a renegociação direta entre as partes, a redução das mensalidades do ensino básico e superior na faixa de 20 a 30% e proíbe a redução de salários de professores e funcionários.

De iniciativa do Senado Federal, há o PL nº 1163/20, que determina a redução de, no mínimo, 30% do valor das mensalidades nas instituições de ensino fundamental e médio e nas universidades particulares que não consigam realizar atividades presenciais.

Quem pode determinar a suspensão ou redução das mensalidades?
O contrato de prestação de serviços educacionais regula todas as questões atinentes a essa prestação, entre elas o pagamento das mensalidades escolares como contraprestação ao serviço contratado.

Assim como suas obrigações, esse contrato é matéria de direito civil e, portanto, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I, a competência para legislar sobre o assunto é privativa da União.

O Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.007/PE e na ADI 1.042/DF, já decidiu pela inconstitucionalidade de leis estaduais que versaram sobre matérias e obrigações típicas de direito civil, como as mensalidades escolares.

Em face disso, ainda que venham a ser sancionados pelos governadores e se tornem leis, os projetos de iniciativa estadual são materialmente inconstitucionais, uma vez que os Estados usurparam sua competência ao legislar sobre matéria de competência exclusiva da União.

No que se refere aos projetos de iniciativa da União, em que pese serem constitucionais materialmente, caso venham a ser sancionados e entrem em vigor, esbarram em uma série de balizas práticas e afrontam vários princípios, como o da razoabilidade e o da boa-fé da relação contratual.

Consequências da imposição de percentuais de redução
A arbitrária fixação de percentuais de redução dos valores das mensalidades escolares e a determinação de igual aplicação deste à todas as instituições de ensino acarretam uma série de consequências.

Além disso, há de se considerar o aspecto da razoabilidade de tal imposição. Tendo em vista a inconstitucionalidade das determinações estaduais, é importante analisar até que ponto a União pode interferir nas relações contratuais e em que medida é possível impor um único percentual para situações díspares.

Nenhum dos projetos de lei anteriormente citados estabelece o parâmetro adotado para a fixação do percentual. As instituições particulares, sejam elas de ensino infantil, fundamental, técnico ou superior, possuem diferentes realidades, como, por exemplo: número de alunos, de funcionários, de unidades e estruturas a serem mantidas, aspectos esses que não foram considerados na elaboração dos textos.

Em razão disso, resta evidente que impor um mesmo percentual a realidades tão díspares pode provocar sérios danos às instituições e, em alguns casos, levá-las a fecharem as portas de modo definitivo.

O principal argumento utilizado para justificar a redução é o de que o fechamento de escolas e universidades reduziu os custos fixos destas. Ocorre que o orçamento das instituições é anual e abrange custos fixos que são indispensáveis à finalidade precípua destas, qual seja, a prestação do serviço educacional.

Ademais é importante salientar que, em vista do novo cenário, as instituições precisaram se adaptar à prestação dos seus serviços de forma remota e, para tanto, investiram fortemente em tecnologias e nos aparatos necessários à realização de transmissões online. Assim, a depender da situação específica de cada instituição, os investimentos necessários podem ter excedido bastante o orçamento previsto, de modo que a imposição de redução pode vir a abalar ainda mais sua estrutura econômico-financeira.

Os contratos de prestação de serviços educacionais são matéria de direito privado, portanto são as próprias partes que precisam analisar a necessidade de renegociação, suspensão e de resolução das bases contratuais visando manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

É nesse sentido que, diante da atual situação, instituições de ensino em todo país estão adotando medidas de acordo com a realidade específica de cada caso, de modo a considerar as especificidades dos impactos da pandemia em cada relação contratual. Assim, providências como concessão de descontos parciais, prorrogação no prazo dos pagamentos e renegociação dos contratos estão sendo adotadas após o diálogo entre as partes.

Dessa forma, é possível concluir que, além de causar insegurança jurídica na relação contratual, a imposição de um percentual fixo para redução das mensalidades não observa qualquer parâmetro e desconsidera as especificidades do caso concreto, motivo pelo qual os ajustes contratuais pelas próprias partes apresenta-se como medida mais benéfica e segura para ambos.

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