Paradoxo da Corte

Requisitos para a execução do contrato de honorários advocatícios

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

21 de abril de 2020, 8h00

A relação entre advogado e cliente gera, no mais das vezes, honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia privada das partes da relação de confiança, enquanto, no âmbito do processo judicial, emerge outra remuneração, atinente aos honorários de sucumbência. Ambas as espécies de honorários, convencionais (ou fixados por arbitramento) e de sucumbência são cumulativos e pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça.

No tocante aos honorários contratuais, quando o advogado celebra uma avença com seu cliente, emergem obrigações mútuas: o causídico obriga-se a prestar-lhe serviços profissionais com zelo e dedicação; o cliente obriga-se a remunerar o respectivo trabalho.

Como asseveram Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Vera Andrighi, a prestação de serviço materializa-se num “contrato bilateral, porque gera direitos e obrigações para ambas as partes, e, via de regra, oneroso, pois, geralmente, dá origem a benefícios ou vantagens para um e outro contratante” (Comentários ao novo Código Civil, vol. 9, Rio de Janeiro, Forense, 2008, pág. 222).

É exatamente por esta razão que o artigo 24 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94) c.c. o artigo 784, inciso XII, do Código de Processo Civil, catalogam o contrato de honorários entre os títulos executivos extrajudiciais.

Note-se que para a contratação em apreço a lei não prescreve formalidades, bastando que seja por escrito, valendo inclusive a contratação epistolar, por meio de correspondência entre cliente e advogado, hipótese, aliás, muito comum na prática.

Inadimplida pelo contratante a obrigação então estabelecida, abre-se a via da execução, a teor do artigo 778 e seguintes do Código de Processo Civil, para a cobrança dos honorários expressamente contratados.

Como todo documento com eficácia executiva reconhecida por lei, torna-se necessário que o crédito do advogado, estampado no título extrajudicial (contrato de honorários), seja líquido, certo e exigível. Desse modo, o contrato de prestação de serviço (ainda que epistolar), apto a aparelhar a respectiva ação de execução, deve prever o escopo do trabalho contratado, o valor certo da remuneração a ser paga e, ainda, o tempo do pagamento. Reunidos, assim, os pressupostos intrínsecos de exequibilidade: liquidez, certeza e exigibilidade.

Verifico que, na praxe forense, em certas ocasiões, o devedor apresenta defesa, arguindo os mais variados vícios na avença que celebrou livremente com o profissional a quem outorgara procuração, como, por exemplo, ausência de um contrato formal ou, mesmo, a falta da assinatura de duas testemunhas no instrumento em que formalizada a contratação. Tais argumentos, contudo, por serem, na maioria das vezes, absolutamente inconsistentes, têm sido rejeitados pelos nossos tribunais.

Observa-se, com efeito, que a atuação do devedor nesse contexto tangencia, em regra, a litigância de má-fé, sobretudo porque, no momento em que contrata a prestação de serviço, o cliente manifesta a sua integral concordância sem qualquer objeção. Posteriormente, a despeito de o advogado ter atingido o objetivo para o qual fora contratado, o seu então constituinte deixa de honrar o compromisso que assumira, procurando encontrar “uma eventual saída” para não pagar o antigo advogado.

No entanto, apesar destas infundadas tentativas, bem é de ver que, como acima frisado, a legislação em vigor não prevê formalidades específicas para a celebração do contrato de honorários advocatícios, cuja inobservância possa tolher a sua eficácia de título executivo extrajudicial.

Realmente, ao enfrentar essa questão, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.070.661-SP, com voto condutor do ministro Raul Araújo, assentou que:

“A Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 24, dispõe que o contrato escrito estipulando honorários advocatícios é título executivo. Por sua vez, o contrato escrito pode assumir diferentes formas de apresentação, pois não há, na lei, forma prescrita ou defesa, nem exigência de requisitos específicos.

Reconhecida a existência do contrato de honorários advocatícios, a característica de este apresentar-se por forma epistolar não lhe subtrai a possibilidade de ter força executiva, desde que constitui contrato escrito, única exigência legal.

No caso dos autos, as cartas enviadas pelo advogado à possível contratante continham, por escrito, propostas de honorários por serviços a serem prestados e foram respondidas com a devida aceitação. Tais anuências recíprocas e espontâneas, postas por escrito nas cartas, constituem contratos escritos de honorários advocatícios, podendo, ao menos em tese, ser considerados títulos executivos, a embasar execução nos termos do mencionado artigo 24 e do artigo 585, inciso VIII, do CPC/73 [artigo 784, inciso XI, do CPC/2015]”.

Cumpre, outrossim, assinalar que esse mesmo aresto averbou:

“A ausência de duas testemunhas tampouco macula a validade do contrato de honorários advocatícios, nem lhe retira eventual força executiva. A exigência constante da regra geral do inciso II do artigo 585 do CPC/73 não se aplica ao contrato escrito de honorários advocatícios, por ser este regido pelas disposições especiais do artigo 24 do EAOAB, c/c o artigo 585, inciso VIII, do CPC/73 [atual artigo 784]”.

Esse mesmo entendimento já era secundado em julgado mais antigo do mesmo órgão fracionário do Superior do Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial n. 400.687-AC, da relatoria do ministro Aldir Passarinho, ao decidir, textual:

“O contrato de honorários advocatícios, tanto na vigência da Lei n. 4.215/1963, artigo 100, parágrafo único, como agora, pela Lei n. 8.906/1994, artigo 24, constitui título executivo, bastando para a sua formalização a assinatura das partes, não afastando a via processual respectiva a ausência da firma de duas testemunhas, posto que tal exigência do artigo 585, inciso II, do CPC/73 [atual artigo 784], é norma geral que não se sobrepuja às especiais, como, inclusive, harmonicamente, prevê o inciso VII da referenciada norma adjetiva” (v., em senso idêntico, precedente da 3ª Turma, AgInt. no AREsp. n. 1.443.050-BA, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 28.10.2019).

Aduza-se que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, prevalecem estes mesmos fundamentos, como se extrai, e. g., do julgamento da 33ª Câmara de Direito Privado, proferido na Apelação n. Ap. n. 1001332-13.2017.8.26.0576, relatado pelo desembargador Sá Duarte, in verbis:

“(…) Simples leitura do contrato de honorários advocatícios de fls. 14/17 afasta a alegação de que não foi assinado pelo apelado, eis que sua assinatura foi, tão somente, aposta em local incorreto, primeira página, sobre seu nome, equívoco que não desnatura o ajuste.

Além disso, o apelado outorgou a procuração de fl. 30, da execução, ao apelante, habilitando-o a postular o que postulou na reclamação trabalhista, tornando inequívoca a contratação.

De outro lado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao afastar a formalidade da assinatura de duas testemunhas para o reconhecimento da eficácia executiva dos contratos de honorários advocatícios. Portanto, não há cogitar da ausência de certeza do título que fundamenta a execução.

A exigibilidade da dívida, por sua vez, está presente. É o que se extrai do documento demonstrativo de que o apelado já levantou o que lhe era devido na reclamação trabalhista, satisfeito, ainda que no curso deste processo, aquele requisito do título. Vale dizer, o êxito, condição para a exigibilidade dos honorários advocatícios contratados, foi alcançado.

A liquidez da dívida, por último, também está presente” (v., ainda, 33ª Câm. Dir. Privado, Ap. n. 1074937-28.2018.8.26.0100, rel. des. Sá Moreira de Oliveira).

Conclui-se, pois, que não há formalidade exigida pela lei para a contratação dos honorários advocatícios, sendo suficiente que sejam estipulados por escrito, mediante instrumento ou por meio de correspondência física ou eletrônica, independentemente da assinatura de testemunhas, desde que contenha os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade!

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