Opinião

A "moratória tributária" e a Covid-19

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21 de abril de 2020, 11h18

Como amplamente divulgado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou recentemente que vivemos um estado de pandemia da Covid-19, causada pelo coronavírus, fato que traz impactos diretos que não são apenas relacionados aos temas de saúde pública, mas também a outros aspectos da sociedade.

Em função dessa realidade e da escalada de casos que atinge todo o Brasil, em diferentes níveis, são inevitáveis as consequências nos diversos segmentos da economia nacional, que passaram a conviver com dificuldades imediatas de caixa e potencial risco de enfrentamento de forte recessão econômica no mundo e, consequentemente, no Brasil.

Assim, talvez de forma tão rápida quanto a disseminação do próprio vírus, vislumbra-se um novo cenário de corrida ao Judiciário em busca de alternativas para alívio de fluxo caixa dos contribuintes, que, na seara tributária, têm como carro chefe a tentativa de postergação para aqueles que ainda não foram contemplados por medidas legislativas do recolhimento de tributos e contribuições, ao menos enquanto perdurarem os efeitos da crise sanitária ocasionada pela disseminação da Covid-19.

Nessa linha, muito se tem discutido, no contexto de pandemia, acerca da possibilidade de decretação de verdadeira moratória, unilateral e às avessas, por parte dos contribuintes.

A título exemplificativo, no dia 30/3/2020 a Comissão Provisória Estadual do Partido Social Liberal PSL) ajuizou Mandado de Segurança Geral Coletivo, com pedido liminar, objetivando a concessão de moratória heterônoma para os tributos federais, estaduais e municipais, com fundamento na alínea "b" do inciso I do artigo 152 do CTN, em razão da calamidade pública causada pela referida pandemia. Sabe-se, também, de iniciativas similares por parte de empresas e entidades de classe Brasil afora.

Além disso, já se tem notícia da existência de inúmeras decisões proferidas liminarmente, por juízos de primeiro e segundo grau, dilatando o vencimento de impostos com base na Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012, de autoria do então ministro da Economia, Guido Mantega.

Por outro lado, também é sabido que muitos contribuintes têm adotado uma postura mais agressiva, calcada na ausência de recolhimento dos impostos apurados e devidos, calculando o custo do não pagamento, sob o pretexto da crise vivenciada e perspectiva de regularização futura por meio dos institutos adequados, mas sem que sequer tenham se socorrido do Poder Judiciário para terem garantido esse direito.

Aliás, por vezes o que se verifica é a prevalência dessa alternativa, já que mesmo as medidas de iniciativa do governo a respeito de dilação ou postergação de tributos, como no caso mais recente das contribuições, podem não ser suficientes, uma vez que o desembolso desses montantes postergados, certamente, poderá ocorrer no momento em que a recessão e a crise estarão em seu ápice.

Assim, em um primeiro momento, a alternativa calcada na ausência de recolhimento dos tributos apurados e devidos, sem qualquer proteção judicial ou fundamento em dispositivo normativo que assim o autorize, pode se mostrar viável, em virtude do caos financeiro instaurado pela doença, da necessidade de movimentação do fluxo de caixa e da própria sobrevivência da empresa. Contudo, ao mesmo tempo, devem ser ponderados os possíveis reflexos criminais e impactos futuros que esse tipo de planejamento pode impor ao empresariado brasileiro.

Nesse contexto, exemplificativamente, não se pode ignorar a decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda pendente de publicação, que, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus (RHC) nº 163.334, em que se firmou tese de que incorre em crime de apropriação indébita tributária, previsto no inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.137/1990, o contribuinte que, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixar de recolher o ICMS.

Tal decisão foi proferida com patente objetivo político-criminal, de cunho arrecadatório tributário, e é indubitavelmente questionável do ponto de vista jurídico, na medida em que ainda não se fixaram conceitos primordiais relacionados à contumácia e ao dolo necessários para configuração desse crime, além de pender de solução a modulação e a extensão dos seus efeitos.

Contudo, diante do caos de insegurança e instabilidade econômica, mostra-se necessário também relembrar que, em princípio, e novamente com a ressalva de que tal decisão ainda pende de publicação, a Corte Suprema pareceu caminhar no sentido de não punir o empresário que, em situação financeira desfavorável, deixou, esporadicamente, de recolher seus tributos, sem manifesta intenção de com isso obter vantagens financeiras e competitivas frente aos seus concorrentes, por exemplo. Há que se ponderar, nesse sentido, a própria sobrevivência e continuidade do negócio, ante aos possíveis desdobramentos criminais da conduta.

De todo o modo, vale lembrar que a eventual ausência de recolhimento de tributos retidos na fonte, tais como o IRRF e as contribuições previdenciárias, exemplificativamente, pode sujeitar os contribuintes, também, à prática do crime de apropriação indébita tributária.

Portanto, qualquer estratégia que envolva a postergação de pagamento de tributos e contribuições que não seja encampada por decisão judicial ou amparada por ato normativo governamental não deve ser descartada, mas, ao mesmo tempo, deve ser analisada por esse viés, mostrando-se recomendável o estudo aprofundado do tema e da situação concreta, de modo a produzir um alívio fiscal sustentável que, ao final, não resulte em desdobramentos tão graves quanto a própria situação econômico-financeira da empresa.

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